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Poetisa
judia Anne Boyer criticou ‘paisagens infernais higienizadas’ pelo
jornal e a cumplicidade do mesmo com ‘mentiras belicistas’ de
Israel
A
guerra em Gaza e o horror televisionado tem levado intelectuais,
artistas e ativistas em todo o mundo a se posicionarem a respeito dos
crimes de guerra cometidos por Israel durante o conflito. Uma delas,
é a proeminente a poetisa e ensaísta Anne Boyer, que se pronunciou
de forma contundente contra a política editorial do The New York
Times (NYT) sobre a cobertura da guerra no Oriente Médio.
Editora
de poesia da New York Times Magazine, o suplemento dominical do
diário novaiorquino, ela pediu demissão do cargo, alegando que “a
guerra do Estado israelense apoiada pelos Estados Unidos contra o
povo de Gaza é em nome de ninguém”.
“Não
há segurança dentro ou fora dela, nem para Israel, nem para os
Estados Unidos ou a Europa, e especialmente para os muitos povos
judeus caluniados por aqueles que afirmam falsamente lutar em seus
nomes. O seu único lucro é o lucro mortal dos interesses
petrolíferos e dos fabricantes de armas”, acrescentou a autora, em
texto publicado em seu blog Mirabilary, no qual divulga as razões
por trás de sua decisão.
Em
outra passagem do seu texto de demissão, a poetisa condena as
“paisagens infernais verbalmente higienizadas” nos textos do
jornal, e também o apoio editorial do NYT às “mentiras
belicistas” de Israel.
O
último trabalho de Boyer como editora do suplemento do NYT foi a
publicação, na edição de 5 de novembro, de um poema da poeta
palestino-americana Fady Joudah intitulado “Escrito nas últimas
semanas”, sobre o qual ela comentou: “O peso do não dito e do
indizível, do perdido e do deixado de lado, paira sobre a cabeça do
poema. Talvez seja a Palestina. O que está faltando desafia a
proporção. Poderia ser tão vasto quanto a história, tão pequeno
quanto a respiração de uma criança”.
Anne
Boyer vive atualmente em Kansas City, no Missouri. Sua carreira se
destaca por obras como The Romance of Happy Workers (2006), My
Common Heart (2011), Garments Against Women (2015, 2016) e
Handbook of Disappointed Fate (2018).
Anos
atrás, a escritora lutou contra um agressivo câncer de mama, e
criticou firmemente o sistema de saúde norte-americano no livro The
Undying: Pain, Vulnerability, Mortality, Medicine, Art, Time,
Dreams, Data, Exhaustion, Cancer, and Care (2019), vencedor do
Prêmio Pulitzer de 2020.
Na
obra, a poetisa aborda “a experiência da doença mediada por telas
digitais, tecendo antigos diários de sonho, fraudadores e
fetichistas do câncer, vloggers de câncer, mentiras corporativas,
pessoas pró-dor, os custos ecológicos da quimioterapia e os muitos
pequenos assassinatos do capitalismo”, como descreve o site da
premiação.
Posições
anticapitalistas são uma marca da escrita transgressora de Boyer. Em
entrevista à BBC em 2021, ela crítica a retórica neoliberal do
livre arbítrio, dizendo que “ela esconde que, na realidade, muito
do que nos acontece não é o resultado de nossas escolhas, é um
conjunto de condições compartilhadas, de forças históricas, de
estruturas político-sociais”.
“Não
posso escrever sobre poesia no tom ‘razoável’ daqueles que
pretendem nos acostumar a esse sofrimento irracional”.
Confira
na íntegra a sua carta de renúncia ao seu cargo como editora de
poesia da New York Times Magazine:
“Pedi
demissão do cargo de editora de poesia da New York Times Magazine.
A
guerra do Estado israelense apoiada pelos Estados Unidos contra o
povo de Gaza é em nome de ninguém. Não há segurança dentro ou
fora dela, nem para Israel, nem para os Estados Unidos ou a Europa, e
especialmente para os muitos povos judeus caluniados por aqueles que
afirmam falsamente lutar em seus nomes. O seu único lucro é o lucro
mortal dos interesses petrolíferos e dos fabricantes de armas.
O
mundo, o futuro, os nossos corações – tudo fica menor e mais
difícil com esta guerra. Não é apenas uma guerra de mísseis e
invasões terrestres. É uma guerra contínua contra o povo da
Palestina, pessoas que resistiram durante décadas de ocupação,
deslocação forçada, privação, vigilância, cerco, prisão e
tortura.
Como
o nosso status quo é a auto expressão, por vezes o modo mais eficaz
de protesto para os artistas é recusar.
Não
posso escrever sobre poesia no tom ‘razoável’ daqueles que
pretendem nos acostumar a esse sofrimento irracional. Chega de
eufemismos macabros. Chega de paisagens infernais higienizadas
verbalmente. Chega de mentiras belicistas.
Se
esta demissão deixa nas notícias um buraco do tamanho da poesia,
então essa é a verdadeira forma do presente”.
Gercyane Oliveira, in Opera Mundi, em 21/11/2023. Acesse link aqui
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