sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Livro Segundo – O Sol Morrendo Entre as Árvores | II


O dia seguinte era domingo e chovia. De tarde, Kikuji foi ao chachitsu a fim de pôr em ordem os objetos que tinham sido usados na véspera à noite. Esperava secretamente retemperar-se na atmosfera da moça, como se ainda pudesse ali respirar o perfume da Srta. Inamura.
Tendo pedido um guarda-chuva à empregada, aprestava-se a seguir pelas pedras dispostas como ilhazinhas até a entrada do pavilhão de chá, quando notou que a água caía forte diante da romãzeira. Erguendo os olhos, constatou que havia um buraco grande na calha.
É preciso mandar consertar isso — disse à doméstica.
É também o que eu acho, senhor.
Não raro, quando chovia à noite, ele já tinha sido perturbado na cama por aquele jorro, que o impedia de dormir.
Mas quando a gente começa a fazer consertos, você sabe como são as coisas, não se termina nunca. O melhor seria vender tudo antes que os defeitos se tornem grandes demais.
Todos os que possuem casas grandes dizem o mesmo hoje — observou a fiel auxiliar. — No entanto a senhorita que esteve aqui ontem de noite ficou maravilhada com a casa tão grande. Ela tem o propósito de vir morar aqui, não é?
Sem dúvida era essa a sua forma de significar que ele não devia vender.
A Sra. Kurimoto lhe falou então de alguma coisa?
Sim, senhor. Logo que a senhorita chegou, ela fez com que visitasse a casa toda.
Só faltava isso!
Na noite anterior, a moça não lhe deixara adivinhar nada com as palavras. Como era possível? Imaginava que ela só tivesse entrado para o salão, daí passando para o pequeno pavilhão do jardim pelo caminho de pedras, tal como ele ia fazer hoje.
Já na noite precedente, como não conseguia dormir, sentia-se empurrado para o chachitsu a fim de respirar de novo o aroma dela. Mas, raciocinando, repetia a si mesmo, procurando dormir, que ela era dum mundo diferente, para sempre inacessível. Alguém de outra esfera... sempre...
Que Chikako a tivesse feito visitar a casa toda, era a última coisa que teria podido imaginar!
Kikuji pediu à doméstica que lhe trouxesse um braseiro para o chachitsu e seguiu pelo caminho das pedras. Na véspera Chikako, porque devia voltar para Kita-Kamakura, partira ao mesmo tempo que a Srta. Inamura, deixando à empregada a tarefa de arrumar o pavilhão de chá. Assim, não restava mais a Kikuji que pôr no lugar a preciosa baixela e outros objetos, provisoriamente deixados a um canto da pequena peça. Infelizmente, conhecia mal o lugar em que cada coisa devia ser colocada. Resmungando que, sem dúvida, a Kurimoto sabia isso melhor que ele, virou-se para apreciar o kakemono pendurado na véspera: o retrato de um poeta, uma pequena perfeição de Sotatsu, delicada pintura a tinta, finamente realçada com cores de tons esfumados.
No curso da noitada, a Srta. Inamura lhe perguntara o nome do personagem que o retrato representava, mas não pôde senão responder:
Nada sei, realmente, devo confessar. Nas obras desse estilo, os retratados sofrem um tratamento sempre tão igual que, sem o poema, não se adivinha quem são.
Chikako interveio:
Deve ser o poeta Muneyuki, e o poema diz mais ou menos: "O verde do pinheiro, que dura todo o ano, parece no entanto mais cintilante quando se acerca a primavera." Devo admitir que essa estação agora já passou um pouco. Mas o seu pai, Sr. Mitani, estimava muito esta obra, com a qual não raro adornava o chachitsu na primavera.
A tais explicações, Kikuji observou que não se podia de fato saber pelo retrato se era Muneyuki ou Tsurayuki. E confirmava de novo agora essa imprecisão, ao contemplar aquele rosto cuja serenidade não era perturbada por nenhum pormenor pessoal que permitisse identificá-lo. Porém o pequeno quadro, de linhas extraordinariamente puras, tinha uma força de sugestão impressionante. Bastava contemplá-lo para alguém se sentir penetrado de viço e pureza.
Como não pensar de novo na Srta. Inamura? E só o arrancou desses pensamentos a chegada da doméstica com o braseiro e a água quente.
Desculpe se demorei, mas preferi aquecer antes a água. Fica mais cômodo.
Devia ter pensado que era para o chá que pedira o fogo. Na realidade, só pensara no úmido do pavilhão e não tinha qualquer intenção de utilizar a chaleira.
Para não decepcioná-la, colocou o fogo no tripé, mas não da maneira artística, e pôs em cima a chaleira de ferro.
Desde tenra infância, Kikuji conhecia as sessões de chá, de que seu pai era fervente adepto, mas nunca tivera vontade de se entregar àquela prática. Seu pai tampouco jamais insistiu para que aprendesse essa arte.
Neste mesmo instante, logo que a água começou a cantar na chaleira, Kikuji, entregue às suas ideias, contentou-se em deslocar um pouco a tampa sem cerimônia, prosseguindo em sua cisma.
A peça cheirava um tanto a fechado, as esteiras tinham pegado umidade. A tonalidade sóbria das paredes, tão perfeita para valorizar a silhueta de sua jovem convidada de ontem à noite, parecia-lhe hoje triste.
Yukiko, nesta moldura, tinha-lhe causado um pouco o efeito duma moça habituada a viver à maneira ocidental, que não veste senão para certas ocasiões as roupas japonesas e só retoma por exceção o jogo das formas tradicionais. Como para se desculpar, ele lhe tinha dito:
Esse convite imprevisto da Kurimoto deve tê-la atrapalhado, imagino. É também dela que vem a ideia de recebê-la neste pavilhão de chá.
Disse-me que era o aniversário da sessão de chá de seu pai.
A mim também lembrou isso. Tinha esquecido completamente e não me teria de modo algum preocupado.
A Srta. Kurimoto é uma mestra de chá a quem não falta ironia, receio, convidando a iniciante que eu sou para um semelhante aniversário! Sou ainda menos digna de algo assim porque não tenho seguido o ensino com muita aplicação nesses últimos tempos.
Foi também esta manhã que Kurimoto subitamente se lembrou do aniversário e resolveu ir pôr em uso o pavilhão. Cheira a fechado, não acha?
E com a voz hesitante, de repente, acrescentou:
Foi em todo caso uma sorte para mim tê-la conhecido. Lastimo apenas que tenha sido por intercessão dessa mulher... Lastimo muito... especialmente por você.
A moça o olhou, perplexa:
Mas por quê? Se a Srta. Kurimoto não estivesse aí, ninguém nos teria apresentado um ao outro.
Era tão simples quanto real. Sem Kurimoto não teriam nunca se encontrado. E foi para Kikuji como uma chicotada deslumbrante. Não acabava ela implicitamente de revelar que o projeto de matrimônio tinha o seu consentimento? Era a sua convicção. O ar perplexo e o olhar interrogativo da moça se esclareceram para ele.
Perguntava-se ainda o que ela devia julgar de ouvir chamar simplesmente de Kurimoto, sem uma expressão de polidez, a sua mestra de chá. Saberia que Kurimoto tinha sido a amante de seu pai, embora apenas o tempo duma aventura breve?
Para mim — quis explicar — existem amargas lembranças relacionadas com a pessoa de Kurimoto.
Sua voz quebrava.
Me seria especialmente desagradável que chegasse a ser um instrumento do meu destino. Não quero acreditar que seja graças a ela que conheci você.
Chikako chegou então com o jantar para três.
Me admitem como comensal? — disse, deixando-se cair na esteira como para retomar o fôlego.
Depois, virou-se para a Srta. Inamura, inclinando levemente o busto:
Sinto muito, realmente, que seja a única conviva. Vai decerto se aborrecer.
Inclinando-se a seguir um pouco para Kikuji, finalizou:
Mas estou certa, Sr. Mitani, de que seu pai está contente e nos assiste.
A jovem se satisfez em baixar os olhos, afirmando outra vez quanto se sentia pouco qualificada para entrar no venerado chachitsu do falecido pai do Sr. Mitani.
Chikako, sem se deter nessas declarações, pôs-se a narrar o papel do pavilhão antes da morte do Sr. Mitani, aflorando as recordações que lhe ocorriam.
Parecia não guardar a mínima dúvida quanto à conclusão do casamento entre Kikuji e a Srta. Inamura. À porta, na hora de sair, declarou-o mais claro ainda ao dizer, diante desta, ao rapaz:
Na próxima vez, seremos nós que vamos visitar a Srta. Inamura. Mas dessa vez ao menos, avisando com antecedência.
Aprovando com a cabeça, a moça esteve à beira de dizer alguma coisa, mas em seguida se conteve, como a despeito de si mesma, com uma rara expressão de pudor atingido.
Kikuji estava tão longe de esperar uma tal transparência dos seus sentimentos, que uma lufada de calidez o invadiu, inclusive no corpo: teve a impressão de que passava por ele o calor dela. Apesar de tudo, o sombrio e sujo quadro em que se debatia nem por isso se anulou.
Agora ainda, sozinho no silêncio da peça de chá, via diante de si esse quadro de sujeira e trevas. Não só por causa da mulher que lhe apresentara a Srta. Inamura, não. A mácula recaía também nele mesmo.
Tinha uma imagem no espírito: via o pai, com os dentes escuros, mordiscando as manchas imundas de Chikako; e sentia, em imagem, que não era diferente do pai.
A moça nem se preocupava com o fato de Chikako ser a origem do encontro de ambos; mas ele não podia suportar que ela tivesse representado a alcoviteira entre os dois. Havia nisso algo que o embaraçava ao ponto de paralisá-lo; mas se esse problema explicava em parte sua indecisão e suas covardias, não havia apenas isso, mas outras coisas bem diversas que lhe pesavam.
Se tinha horror de Chikako, sabia quão pouco sincero era ao atiçar seu ódio com o pretexto de ser ela que lhe impunha o casamento com a Srta. Inamura. Nesse papel, em suma, ela se achava muito bem no seu lugar e favorecia uma comodidade indiscutível.
Nessa altura de sua reflexão, Kikuji se sentiu como esbofeteado ao pensar que a Srta. Inamura tinha talvez ido até o fundo dele, e ficou aterrado ao medir de repente a amplidão da sua covardia, de que não tivera consciência até o momento.
No fim da refeição, aproveitando o instante em que Chikako se afastou para preparar o chá, desejou retomar o diálogo interrompido por sua chegada:
Se cumpre ver em Kurimoto um instrumento do destino — disse, — creio então que temos, eu e você, concepções bem diferentes do destino.
Eis tudo o que soubera dizer e se dava perfeitamente conta de que isso ecoava como uma má desculpa, uma desastrada e vã justificação.
E agora compreendia em que se baseava o desprazer que tinha, depois da morte de seu pai, ao saber que sua mãe estava só neste pavilhão de chá. Sim, acabava de compreender: seu pai antes, depois sua mãe, ele agora, cada um, ao vir se isolar naquele pavilhão, se achava só com os seus pensamentos. . .
Fora, a chuva caía pesada sobre as folhagens vergadas das árvores. E eis que naquele atrito contínuo, distinguiu o barulho de gotas tamborilando num guarda-chuva que se aproximava.
Do exterior, a voz da empregada anunciou:
A Sra. Ota está aí.
A Sra. Ota?
Sim, senhor. E parece doente, está com tão mau aspecto.
Kikuji, que o aviso fizera saltar de pé, ficou ali plantado, sem dizer nada.
Onde quer recebê-la, senhor?
Aqui mesmo.
Muito bem.
Para vir ao chachitsu, a Sra. Ota atravessou o jardim sob a chuva forte. Não trazia sombrinha e o rosto estava molhado quando surgiu. Kikuji se disse que devia decerto ter deixado a sombrinha na entrada. Mas não era a chuva, eram as lágrimas que lhe umedeciam o rosto. Compreendendo, Kikuji foi ao seu encontro quase gritando:
O que houve?
Com a face erguida para ele, a Sra. Ota se sentou na galeria exterior, com as duas mãos apoiadas no chão. Dir-se-ia que caiu diante dele, em cima dele. Lentamente, suas lágrimas brotavam e Kikuji, vendo as gotas no soalho, perto da entrada, acreditou de novo que eram da chuva.
Com os olhos nos de Kikuji, apoiando nele com força o olhar, era como se apenas isso a retivesse de desfalecer. Consciente do perigo, ele não ousava desviar seu olhar, certo de que ela desmoronaria. Perscrutava, a despeito de si mesmo, as profundas olheiras que lhe comiam o rosto, a pele amarrotada em volta deste olhar batido, em febre, morbidamente fixo, e no entanto transbordando uma ternura suplicante através da torrente do pranto e cheio duma inex-primível doçura.
Peço que me perdoe — disse ela. — Eu não podia mais. Tinha de vê-lo.
Sua voz, todo o seu ser não eram senão amor. Sem o extraordinário e terno calor que dela emanava, Kikuji nunca teria suportado a vista daquele rosto emaciado. Sentia o coração partido pelo atroz sofrimento cujo espetáculo ela lhe ofertava. Mas ainda que soubesse que sua causa era ele próprio, extraía uma espécie de consolo no banho de ternura infinita que ela lhe dava.
Venha logo, entre, antes de se molhar completamente — disse-lhe, agarrando-a com os dois braços para soerguê-la e guiar, com uma ponta de brutalidade na pressa.
Deixe!... Largue-me! — soprou ela, procurando caminhar sozinha, pois ele quase a levava nos braços. — Sou bem leve, não é?
Sim.
É que emagreci muito nesses últimos tempos .. . Não sou mais o que era.
Kikuji se censurava já da violência do seu gesto.
A sua filha não terá ficado preocupada?
Fumiko?
Pelo modo de pronunciar o nome, ele jurou que a moça tivesse vindo junto.
Ela veio com você? — indagou.
Oh, não. Vim às escondidas — declarou num soluço. — Minha filha fica me vigiando todo o tempo. Mesmo de noite, acorda ao menor ruído que eu faça. Sofre tanto por minha causa que chego a desconhecê-la. Diz-me coisas terríveis. “Por que sou filha única? Por que não tiveste outros filhos? Com o Sr. Mitani tu podias ter tido, não?...” Coisas assim!
A Sra. Ota, ao falar, se recompunha um pouco. Kikuji adivinhava, através de suas palavras, que insuportável mágoa sua filha sentira ao ver a mãe sofrer por causa dele. Teve uma pontada no coração ao saber que a moça chegara ao extremo de desejar que a mãe tivesse tido um filho do pai dele.
Sempre com o olhar fito em Kikuji, a Sra. Ota prosseguiu:
É possível que Fumiko já esteja no meu rastro. Aproveitei sua ausência para escapar de casa. Devia ter pensado que eu não sairia por causa da chuva.
Por causa da chuva? Só por isso?
Sim, me julga demasiado enfraquecida para enfrentar o mau tempo.
Ele inclinou a cabeça sem dizer nada. A Sra. Ota procurou saber:
Outro dia ela veio cá, não?
Sim. Para me pedir que perdoasse você, segundo disse. . ., e fiquei sem saber o que responder a um pedido desses.
Ah, eu entendo o que ela sente; e no entanto eis-me de novo aqui, apesar de tudo! Por que faço isso?.. . É horrível. Horrível.
Mas que coisa. A não ser gratidão, que outro sentimento posso ter por você?
Oh, obrigada! É mais do que eu poderia esperar ... Não mereço perdão daquela infelicidade depois da...
E por quê? Não está ligada a ninguém, a nada... a menos que seja ao fantasma de meu pai!
O rosto da Sra. Ota permaneceu impassível, como se ela não tivesse ouvido. Ele teve a impressão de haver falado no vácuo.
Esqueçamos tudo, não pensemos mais sobre isso — disse. — Nunca eu devia ter-me deixado transtornar a esse ponto pelo telefonema da Srta. Kurimoto! Estou envergonhada.
Kurimoto lhe telefonou?
Hoje de manhã. Para me dizer que o seu casamento com a Srta. Inamura estava praticamente resolvido. Ah, por que tinha de ser ela quem desse a notícia! Você poderia ter-me avisado...
Uma onda de lágrimas subiu-lhe aos olhos e ele esperava vê-la soluçar de novo quando, de repente, sorriu. Não o sorriso forçado de quem deseja rir entre lágrimas, não. Um sorriso de criança, cândido e doce.
Ainda nem mesmo encarei a possibilidade de me meter nessa história — insurgiu-se Kikuji, — Será que permitiu a Kurimoto farejar alguma coisa a nosso respeito? Avistou-se com ela nesse período?
Não, não a encontrei, mas sei como ela é: é bem capaz de ter descoberto algo. Hoje de manhã, no telefone, podia ter desconfiado.. . Fui tão sem jeito, ai!, sou tão incapaz.. . Tive uma espécie de síncope e acho que dei um grito. E ao telefone se adivinha fácil os sentimentos do outro, não é? Em todo caso, ela me disse: “Querida senhora, por favor, não crie obstáculos.”
Seus ombros se puseram a tremer como se a sacudisse um calafrio de febre. Sua boca se crispou e o semblante descomposto refletia uma angústia sem limites. Parecia à beira duma síncope.
Kikuji se ergueu e estendeu a mão para sustentá-la pelos ombros, mas a Sra. Ota pegou-a:
Tenho medo, ah, tenho medo! — suspirou, com o rosto extremamente pálido a trair a sua idade.
Seu olhar errou por todos os lados. E súbito, reencontrando ânimo, examinou a peça e inquiriu:
Foi neste pavilhão?
Kikuji, sem entender o que queria significar, redargüiu com um "sim" vago e ocasional.
Um maravilhoso chachitsu! — disse ela. Estaria pensando que o marido morto tinha sido não raro recebido nesta sala de chá? Ou pensava no pai de Kikuji?
É a primeira vez que aqui vem? — quis saber Kikuji.
Sim.
Que é que está olhando com este ar engraçado?
Nada... nada...
É uma pintura de Sotatsu, o retrato de um poeta.
A Sra. Ota aquiesceu com um sinal de cabeça e baixou os olhos.
Já tinha vindo aqui em casa?
Não, nem uma vez.
De fato? — ele se admirou.
Ah, sim, perdão. . . Uma vez... no enterro de seu pai.
Sua voz estava tão fraca que Kikuji se fêz diligente:
A água está fervendo, não acha que isso talvez a animasse? Eu também gostaria de tomar uma taça de chá.
Com prazer — disse ela. — Dá licença? Ao erguer-se, vacilou um pouco mas se aprumou, dominando-se.
Kikuji foi abrir os estojos colocados num canto e tirou as taças. Por um momento pensou em que esses objetos tinham sido usados na véspera para o chá da Srta. Inamura. Mas afastou a ideia e voltou com as preciosas peças.
Ante o fogo, querendo tirar a tampa da chaleira, a Sra. Ota não pôde impedir a mão de tremer e houve um leve estalido do ferro atritado. Ao se inclinar para a frente, com o bule d'água na mão, suas lágrimas caíram com pequeno ruído no exterior do caldeirão.
Também isso foi o seu pai que comprou de mim — disse.
Sim? Não sabia.
Não sentira qualquer embaraço ouvindo dizer que o objeto vinha das coleções de seu marido, tal a forma natural e simples com que ela o informara.
Preparou o chá e o convidou a que ele mesmo viesse pegar sua taça:
Não posso levá-la — disse.
Ele se colocou ao lado do caldeirão para tomar o chá. Num acesso de fraqueza, ela caiu sobre seus joelhos. Kikuji lhe passou o braço nos ombros e sentiu sua respiração se precipitar.
E foi como uma criança que agarrasse nos braços, tão leve, tão abandonada.

Yasunari Kawabata, in Nuvens de Pássaros Brancos

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