As
filmagens iam começar em Culver City. O bar ficava lá, e o hotel
com o meu quarto. A parte seguinte seria feita no distrito da Rua
Alvarado, onde ficava o apartamento da mulher.
Depois
vinha um bar que frequentávamos na Rua 6 com Vermont. Mas as
primeiras tomadas seriam em Culver City.
Jon
nos levou para ver o hotel. Parecia autêntico. Os bebuns moravam
ali. O bar ficava embaixo. Nós ficamos parados, olhando.
– Que
tal? – perguntou Jon.
– Sensacional.
Mas já vivi em lugares piores.
– Eu
sei – disse Sarah. – Eu vi.
Subimos
para o quarto.
– Aqui
está. Parece familiar?
Era
pintado de cinza, como muitos desses lugares. Persianas rasgadas. A
mesa e a cadeira. A geladeira coberta de grossa crosta de sujeira. E
a pobre cama bamba.
– Está
perfeito, Jon. É o quarto.
Fiquei
um pouco triste por não ser jovem e estar fazendo tudo aquilo de
novo, bebendo e brigando e jogando com as palavras. Quando a gente é
jovem, pode realmente aguentar uma surra. A comida não importava. O
que importava era beber e sentar à máquina. Eu devia ter sido
louco, mas há muitos tipos de loucura, e alguns são muito gostosos.
Eu morria de fome para ter tempo de escrever. Não se faz mais isso.
Olhando aquela mesa, via-me ali sentado de novo. Naquele tempo estava
louco e sabia disso e não importava.
– Vamos
descer pra dar outra verificada no bar...
Descemos.
Os bebuns que iam aparecer no filme já estavam lá. Bebiam.
– Vamos
lá, Sarah, vamos pegar um banco. Tchau, Jon...
O
garçom nos apresentou aos bêbados. Eram o Grande Monstro e o
Pequeno Monstro, o Nojento, Buffo, Cabeça de Cachorro, Lady Lila,
Lance Livre, Clara e outros.
Sarah
perguntou ao Nojento o que ele estava bebendo.
– Parece
bom – disse.
– É
um Cape Cod, suco de amora e vodca.
– Eu
tomo um Cape Cod – disse Sarah ao garçom, Cowboy Cal.
– Vodca
7 – eu disse ao Cowboy.
Tomamos
algumas. O Grande Monstro me contou uma história de uma briga deles
todos com os tiras. Muito interessante. E eu sabia, pelo jeito de ele
contar, que era verdade.
Depois
veio a chamada para o almoço para os atores e a equipe. Os bebuns
ficaram onde estavam.
– É
melhor a gente comer – disse Sarah.
Saímos
pelos fundos e para leste do hotel. Haviam instalado uma grande
banca. Os extras, técnicos, operários e outros já comiam. A comida
tinha boa aparência. Jon veio ter com a gente. Pegamos nossas rações
na carroça e o seguimos até a ponta da mesa. Quando passávamos,
Jon parou. Um homem comia sozinho. Jon apresentou-nos.
– Esse
é Lance Edwards...
Edwards
fez-nos um leve aceno de cabeça e voltou ao seu filé.
Sentamo-nos
na ponta da mesa. Edwards era um dos coprodutores.
– Esse
Edwards age como um filho da puta – eu disse.
– Oh
– disse Jon – ele é muito acanhado. É um dos caras dos quais
Friedman estava tentando se livrar.
– Talvez
tivesse razão.
– Hank
– disse Sarah –, você nem conhece o cara.
Eu
atacava minha cerveja.
– Coma
sua comida, Sarah.
Ela
ia acrescentar dez anos à minha vida, para o melhor ou para o pior.
– Vamos
filmar uma cena com Jack na sala. Você deve vir ver.
– Depois
de comermos, vamos voltar pro bar. Quando estiverem prontos pra
filmar, mandem alguém nos chamar.
– Tudo
bem – disse Jon.
Depois
de comermos, contornamos o hotel até o outro lado, verificando-o.
Jon nos acompanhava. Vários reboques estacionavam ao longo da rua.
Vimos o Rolls-Royce de Jack. E junto a ele um grande reboque
prateado, com um anúncio na porta: JACK BLEDSOE.
– Veja
– disse Jon –, ele tem um periscópio em cima, pra ver quem se
aproxima...
– Nossa...
– Escuta,
tenho de acertar umas coisas...
– Tudo
bem... Tchau...
Jon
tinha uma coisa engraçada. Seu sotaque francês ia desaparecendo à
medida que ele só falava inglês nos Estados Unidos. Era um pouco
triste.
A
porta do reboque de Jack abriu-se. Era ele.
– Ei,
entrem!
Subimos
os degraus. Uma televisão estava ligada. Uma garota jovem deitava-se
no beliche, vendo TV.
– Essa
é Cleo. Comprei uma moto pra ela. A gente roda junto.
Um
cara sentava-se na outra ponta.
– Esse
é meu irmão, Doug...
Eu
me aproximei de Doug, ensaiei uns passos de boxe na frente dele. Ele
não disse nada. Apenas encarava. Sujeito frio. Ótimo. Eu gostava de
caras frios.
– Tem
alguma coisa pra beber? – perguntei a Jack.
– Claro...
Pegou
um uísque, serviu-me uma dose com água.
– Obrigado...
– Quer
um pouco? – ele perguntou a Sarah.
– Obrigada
– ela disse. – Não gosto de misturar bebidas.
– Ela
está tomando Cape Cods – eu disse.
– Oh...
Sarah
e eu nos sentamos. O uísque era bom.
– Gosto
deste lugar – eu disse.
– Fique
o quanto quiser – disse Jack.
– Talvez
eu fique pra sempre...
Jack
me lançou seu famoso sorriso.
– Seu
irmão não é de falar muito, é?
– Não,
não é.
– Um
cara frio.
– Ééé.
– Bem,
Jack, decorou suas falas?
– Eu
nunca olho as minhas falas até o último instante antes da filmagem.
– Sensacional.
Bem, escuta, a gente tem de se mandar.
– Eu
sei que você consegue, Jack – disse Sarah. – Estamos satisfeitos
por você ter o papel principal.
– Obrigado.
No
bar, os bebuns ainda estavam lá, e não pareciam nem um pouco mais
bêbados. Era preciso muita coisa pra derrubar um profissional.
Sarah
tomou outro Cape Cod. Eu voltei ao Vodca 7.
Bebemos,
e ouvimos outras histórias. Cheguei até a contar uma. Talvez
houvesse passado uma hora. Aí eu ergui o olhar e vi Jack parado,
olhando por cima das portas de vaivém da entrada. Eu via apenas a
cabeça dele.
– Ei,
Jack – gritei –, entre e tome uma.
– Não,
Hank, vamos filmar agora. Por que não vem ver?
– Já
vou já, baby...
Pedimos
mais duas doses. E já as atacávamos quando Jon entrou.
– Vamos
filmar agora – ele disse.
– Tudo
bem – disse Sarah.
– Tudo
bem – disse eu.
Acabamos
nossas doses e eu peguei umas duas garrafas de cerveja para levar
conosco.
Seguimos
Jon por uma escada acima e pelo quarto adentro. Cabos por toda parte.
Técnicos mexendo-se de um lado para outro.
– Aposto
que poderiam rodar um filme com cerca de um terço desses porras
todos.
– É
o que Friedman diz.
– Às
vezes ele tem razão.
– Tudo
bem – disse Jon –, estamos quase prontos. Fizemos alguns ensaios.
Agora filmamos. Você – disse para mim – fica nesse canto. Pode
ver daqui sem entrar na cena.
Sarah
recuou até ali comigo.
– SILÊNCIO!
– gritou o assistente de direção de Jon. – PREPARANDO PRA
RODAR!
Tudo
ficou em silêncio.
Então
foi a vez de Jon:
– CÂMERA!
AÇÃO!
A
porta do quarto abriu-se e Jack Bledsoe entrou cambaleando. Merda,
era o jovem Chinaski! Era eu! Senti uma dor mole dentro de mim.
Juventude, sua filha da puta, aonde foi você?
Queria
voltar a ser o jovem bêbado. Queria ser Jack Bledsoe. Mas era apenas
o cara velho no canto, mamando uma cerveja.
Bledsoe
cambaleou até a janela junto à mesa. Abriu a persiana escangalhada.
Ensaiou uns passos de boxe, um sorriso no rosto. Depois sentou-se à
mesa, pegou um lápis e um pedaço de papel. Ficou ali sentado algum
tempo, depois puxou a rolha de uma garrafa de vinho, tomou uma
talagada, acendeu um cigarro. Ligou o rádio e deu sorte de
sintonizar Mozart.
Começou
a escrever naquele pedaço de papel com o lápis, enquanto a cena
escurecia…
Pegara
a coisa. Pegara do jeito que era, quer isso significasse alguma coisa
ou não, ele a pegara como era.
Eu
me aproximei dele e apertei sua mão.
– Peguei
bem? – ele perguntou.
– Pegou
– eu disse.
No
bar lá embaixo, os bebuns ainda estavam em serviço e com a mesma
aparência.
Sarah
voltou aos seus Cape Cods e eu tomei a rota do Vodca 7. Ouvimos
algumas histórias ótimas. Mas havia uma tristeza no ar, porque
depois de rodado o filme, o bar e o hotel iam ser desmontados, para
servir a algum fim comercial. Alguns dos fregueses moravam no hotel
há décadas. Outros moravam numa estação ferroviária deserta
próxima, e havia uma ação judicial para retirá-los dali. Por
isso, a bebida era pesada e triste.
Sarah
disse por fim:
– Precisamos
voltar pra casa pra dar comida aos gatos.
A
bebida podia esperar.
Hollywood
podia esperar.
Os
gatos não esperavam.
Concordei.
Despedimo-nos
dos bebuns e fomos para o carro. Eu não me preocupava com a direção.
Alguma coisa na visão do jovem Chinaski naquele velho quarto de
hotel me estabilizara. Filho da puta, eu fora um jovem touro do
caralho. Realmente um fodido de primeira.
Sarah
se preocupava com o futuro dos pinguços. Eu também não gostava
daquilo. Por outro lado, não podia vê-los sentados em torno da
minha porta da frente, bebendo e contando suas histórias. Muitas
vezes o charme diminui quando chega perto demais da realidade. E
quantos irmãos a gente pode manter?
Eu
dirigia em frente. Chegamos.
Os
gatos esperavam.
Sarah
desceu e limpou as tigelas deles e eu abri as latas.
Simplicidade,
era disso que se precisava.
Subimos,
tomamos banho, trocamos de roupa e fomos para a cama.
– Que
é que aquele pessoal vai fazer? – perguntou Sarah.
– Eu
sei. Eu sei...
Aí
chegou a hora de dormir. Desci para dar uma última olhada e voltei.
Sarah já adormecera. Apaguei a luz. Dormimos. Tendo visto fazer o
filme naquela tarde, agora estávamos um pouco diferentes, jamais
voltaríamos a pensar ou falar exatamente da mesma forma. Agora
sabíamos algo mais, mas, o que era, parecia muito vago e talvez até
um pouco desagradável.
Charles Bukowski, in Hollywood
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