Trata-se
de um filme que não escandalizaria ninguém. E no entanto foi
proibida a sua exibição no Brasil. Embora, contraditoriamente,
tenham permitido a sua venda para o mercado exterior. É um filme da
Condor Filmes S/A – argumento, roteiro e direção de Nelson
Pereira dos Santos.
Só
não gosto do título – Como era gostoso o meu francês –
que dá uma ideia jocosa de um filme nada jocoso.
Época:
século XVI: França Antártica. Após escapar da morte a que fora
condenado, Jean (Arduíno Colasanti) encontra um grupo de portugueses
que naufragam em pleno território inimigo (Brasil). Os portugueses
aprisionam o francês e entregam-lhe dois pequenos canhões para
serem usados contra os índios. Estes atacam de surpresa e prendem
Jean, tomando-o como um poderoso português, pois estava, durante o
combate, manejando os canhões. Jean torna-se escravo de Cunhambebe
(Eduardo Imbassaí), grande chefe dos índios tupinambás, e que
pretende devorar Jean a fim de possuir os poderes do artilheiro e,
assim, mais força na sua luta contra os portugueses.
Na
aldeia tupinambá, o prisioneiro é guardado por uma viúva, Seboipep
(Ana Maria Magalhães), que cumpre também o papel de esposa até o
dia da execução de Jean. Com o passar das luas, Jean vai
compreendendo a língua e os costumes dos índios e adota-lhes os
hábitos. Obtém pólvora para os seus canhões e com eles participa
de uma guerra contra os índios amigos dos portugueses (e portanto
inimigos dos tupinambás). Quando espera ser libertado, vê que
Cunhambebe apenas o estivera provando como guerreiro, a fim de
devorá-lo em grande festa.
Este
filme precisou de cinco anos de preparação e pesquisas. As fontes
de pesquisas são sérias: Biblioteca Nacional, Museu do Índio,
Serviço de Proteção ao Índio, Museu do Homem (Paris).
Os
livros consultados: Civilização tupinambá (Metraux), Viagem
ao Brasil (Hans Staden), Tupinambás (Jean de Léry),
Civilização tupinambá (Florestan Fernandes) – além de
outros cronistas da época (século XVI).
Os
diálogos foram escritos em tupi-guarani por Humberto Mauro. O
francês quinhentista (lindo), por especialistas franceses. Foram
quatro meses de filmagem intensa. Os locais eram nas praias e matas
entre Parati e Angra dos Reis.
Este
filme – de muita beleza e de enorme interesse porque afinal se
trata de origens do Brasil – custou Cr$ 760.000,00 (setecentos e
sessenta mil cruzeiros) – cerca de 150 mil dólares.
Para
garantir a autenticidade, houve não só construção de tabas e
reconstituição de guarda-roupa dos personagens portugueses e do
francês, mas também o uso de objetos e adornos indígenas para
garantir a legitimidade. Mais de 500 figurantes aparecem no filme.
Este foi realizado com a colaboração do Exército brasileiro,
cidade de Parati, Funai, Museu da Polícia Militar do Rio de Janeiro,
Forte de São João.
Todo
o elenco foi depilado completamente, de acordo com as características
raciais dos índios. As pinturas de corpo são rigorosamente de
acordo com as minuciosas pesquisas feitas.
Pois
este filme foi interditado no território nacional e liberado para
exportação (!!). Foi considerado atentatório ao pudor, aos
costumes e à moral. Mas a Censura implicou verdadeiramente com o nu
masculino. Depois de alguma discussão deixaram passar o nu masculino
dos índios – mas disseram que o nu do homem branco (o francês que
viveu entre os índios e adotou-lhes o modo de viver) não seria
permitido em hipótese nenhuma...Talvez seja inocência minha, mas
por favor me respondam: qual é a diferença entre o corpo nu de um
índio e o corpo nu de um homem branco?
Assisti
ao filme em salinha de projeção particular. Havia outras pessoas
assistindo também. Duas delas eram freiras de alto nível
eclesiástico. A opinião delas: filme belíssimo, de uma grande
pureza, de um valor histórico inestimável por causa de toda a
reconstituição. Disseram que era um filme poético. A única cena
realmente impura – disseram – seria aquela em que um mercador
francês demonstrou sua cupidez diante do tesouro dos índios – aí
é que se reconhece uma civilização de agora.
Espera-se
– tem-se mesmo muita esperança – uma liberação também para
território nacional: não é justo que os estrangeiros usufruam
coisa nossa sem nós também participarmos dela. A esperança vem
também de que no filme inteiro não há um só gesto ou intenção
obscenos ou simples sugestão maliciosa. E garanto-vos que a nudez de
Arduíno Colasanti é casta. Será que daqui a pouco nos
escandalizaremos se virmos um menino branco nu? Por que em menino
pode e em adulto não pode? Lembro-me de um verso que uma pessoa,
José Augusto (S. Paulo), me mandou:
“Saí
nu na rua
e
não me entenderam.
Vou
pôr terno e gravata.”
Melhor,
por via das dúvidas, pôr terno e gravata nos tupinambás.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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