domingo, 12 de novembro de 2023

Cartas na Rua | TRÊS




3

Então fui chamado ao departamento pessoal no velho Prédio Central. Deixaram-me sentado lá os usuais 45 minutos, que chegavam à uma hora e meia.
Bem.
Sr. Chinaski? — disse uma voz.
Sim — respondi.
Entre.
O homem me levou até uma escrivaninha no fundo. Lá estava uma mulher. Parecia levemente sexy, entrando nos 38 ou 39 anos, mas era como se sua ambição sexual tivesse sido simplesmente posta de lado em função de outras coisas ou ignorada.
Sente-se, sr. Chinaski.
Sentei-me.
Baby, pensei, poderia lhe dar uma foda daquelas.
Sr. Chinaski — ela disse —, não sabemos se o senhor preencheu o formulário corretamente.
Hein?
Quero dizer, o número de vezes em que esteve preso.
Ela me estendeu a folha. Não havia promessa de sexo em seus olhos.
Eu havia listado oito ou dez prisões por bebedeira. Era apenas uma estimativa. Eu não tinha ideia das datas.
Então, estão todas aqui? — perguntou.
Hmmm, hmmm, deixe-me pensar...
Eu sabia o que ela queria. Queria que eu dissesse “sim” e então ela me teria em suas mãos.
Deixe-me ver... Hmmm. Hmmm.
E então? — ela disse.
Ah, não! Meu Deus!
O que foi?
Tem alguma coisa sobre estar bêbado em um carro ou dirigindo embriagado. Mais ou menos há quatro anos. Não me lembro da data exata.
E isso foi um lapso de memória?
Foi, de verdade, eu pretendia colocar.
Tudo bem. Coloque agora.
Escrevi aquilo no papel.
Sr. Chinaski, sua folha corrida é terrível. Quero que me explique essas acusações e se possível justifique o seu atual emprego aqui conosco.
Tudo bem.
Você tem dez dias para responder.
Eu não queria tanto assim aquele emprego. Mas ela me irritou.
Telefonei alegando estar doente naquela noite, depois de comprar papéis oficiais pautados e numerados, e uma pasta azul com aquela seriedade de material de escritório. Comprei uma garrafa de uísque e meia dúzia de cervejas, então me sentei e datilografei tudo. Tinha um dicionário a meu lado. De vez em quando virava uma página, encontrava uma palavra grande e incompreensível e construía uma frase ou um parágrafo aproveitando aquela ideia. O texto ficou com 42 páginas. Terminei com algo como: “Cópias desse relatório foram mantidas para distribuição à imprensa, à televisão e a outros meios de comunicação de massa”.
Não aguentava mais aquela merda.
Ela se levantou de sua escrivaninha e veio buscar a pasta pessoalmente.
Sr. Chinaski?
Sim?
Eram nove horas da manhã. Um dia depois que ela me requisitara uma resposta às acusações.
Só um instante.
Levou as 42 páginas para a escrivaninha. Ela leu e leu e leu. Havia alguém lendo por sobre seus ombros. Depois havia 2, 3, 4, 5. Todos lendo. 6, 7, 8, 9. Todos lendo.
Que diabos!”, pensei.
Depois escutei uma voz vinda da multidão: “Bem, todos os gênios são beberrões!”, como se isso explicasse a questão. Outra vez, haviam visto filmes demais.
Ela se ergueu da cadeira com as 42 páginas na mão.
Sr. Chinaski?
Sim?
Seu caso segue em aberto. Mandaremos notícia.
Enquanto isso, continuo trabalhando?
Enquanto isso, continue trabalhando.
Bom dia — eu disse.

4

Uma noite, fui escalado para trabalhar ao lado de Butchner. Ele não carimbava nenhuma carta. Só ficava ali sentado. E falava.
Uma jovem se aproximou e se sentou no fim da ala. Ouvi Butchner:
Ei, sua vadia! Quer meu caralho na sua boceta, não é? E isso que você quer, sua vadia, não é mesmo?
Segui carimbando a correspondência. O supervisor passou por nós. Butchner disse:
Você está na minha lista, mãezona! Vou pegar você, mãezona de merda! Seu cretino fodido! Chupador!
Os supervisores nunca incomodavam Butchner. Ninguém jamais incomodava Butchner.
Então ouvi de novo.
Muito bem, baby! Não gosto dessa sua cara. Você está na minha lista, mamãe! Está no topo da minha lista! Vou pegar esse seu rabo! Ei, estou falando com você! Está me ouvindo?
Era demais. Larguei minhas cartas.
Tudo bem — eu disse. — Estou falando com você! Venha aqui com essas suas roupas fedidas! Quer que seja aqui ou prefere ir lá fora?
Olhei para o Butchner. Ele estava falando com o teto, o demente:
Eu te disse, você está no topo da minha lista! Vou te pegar e vou te aprontar uma boa!
Pelo amor de Deus, pensei, aquele cara era de foder! Os funcionários estavam muito quietos. Não podia condená-los. Levantei, fui buscar um pouco de água. Depois voltei. Vinte minutos mais tarde, levantei para o meu descanso de dez minutos. Quando voltei, o supervisor me esperava. Um homem negro e gordo, mal entrado nos cinquenta. Gritou para mim:
CHINASKI!
Qual é o problema, homem? — perguntei.
Deixou seu lugar duas vezes em trinta minutos!
Sim, tomei um gole d’água na primeira vez. Trinta segundos. Depois fui para o intervalo.
Vamos supor que você trabalhasse numa máquina! Não poderia largar sua máquina duas vezes em trinta minutos!
Sua cara inteira reluzia em fúria. Era surpreendente. Não conseguia entender.
ESTOU PONDO VOCÊ NO RELATÓRIO!
Tudo bem — eu disse.
Desci e me sentei ao lado de Butchner. O supervisor desceu com o relatório. Estava escrito à mão. Eu não conseguia nem lê-lo. Tinha escrito com tal fúria que saíra tudo coberto de borrões e rasuras.
Dobrei o relatório em forma de um pequeno quadrado, deslizei-o para o bolso de trás das calças.
Vou matar esse filho da puta! — disse o Butchner.
Tomara que você consiga, gorducho — eu disse —, espero mesmo que você consiga!

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

Nenhum comentário:

Postar um comentário