3
Então
fui chamado ao departamento pessoal no velho Prédio Central.
Deixaram-me sentado lá os usuais 45 minutos, que chegavam à uma
hora e meia.
Bem.
— Sr.
Chinaski? — disse uma voz.
— Sim
— respondi.
— Entre.
O
homem me levou até uma escrivaninha no fundo. Lá estava uma mulher.
Parecia levemente sexy, entrando nos 38 ou 39 anos, mas era como se
sua ambição sexual tivesse sido simplesmente posta de lado em
função de outras coisas ou ignorada.
— Sente-se,
sr. Chinaski.
Sentei-me.
Baby,
pensei, poderia lhe dar uma foda daquelas.
— Sr.
Chinaski — ela disse —, não sabemos se o senhor preencheu o
formulário corretamente.
— Hein?
— Quero
dizer, o número de vezes em que esteve preso.
Ela
me estendeu a folha. Não havia promessa de sexo em seus olhos.
Eu
havia listado oito ou dez prisões por bebedeira. Era apenas uma
estimativa. Eu não tinha ideia das datas.
— Então,
estão todas aqui? — perguntou.
— Hmmm,
hmmm, deixe-me pensar...
Eu
sabia o que ela queria. Queria que eu dissesse “sim” e então ela
me teria em suas mãos.
— Deixe-me
ver... Hmmm. Hmmm.
— E
então? — ela disse.
— Ah,
não! Meu Deus!
— O
que foi?
— Tem
alguma coisa sobre estar bêbado em um carro ou dirigindo embriagado.
Mais ou menos há quatro anos. Não me lembro da data exata.
— E
isso foi um lapso de memória?
— Foi,
de verdade, eu pretendia colocar.
— Tudo
bem. Coloque agora.
Escrevi
aquilo no papel.
— Sr.
Chinaski, sua folha corrida é terrível. Quero que me explique essas
acusações e se possível justifique o seu atual emprego aqui
conosco.
— Tudo
bem.
— Você
tem dez dias para responder.
Eu
não queria tanto assim aquele emprego. Mas ela me irritou.
Telefonei
alegando estar doente naquela noite, depois de comprar papéis
oficiais pautados e numerados, e uma pasta azul com aquela seriedade
de material de escritório. Comprei uma garrafa de uísque e meia
dúzia de cervejas, então me sentei e datilografei tudo. Tinha um
dicionário a meu lado. De vez em quando virava uma página,
encontrava uma palavra grande e incompreensível e construía uma
frase ou um parágrafo aproveitando aquela ideia. O texto ficou com
42 páginas. Terminei com algo como: “Cópias desse relatório
foram mantidas para distribuição à imprensa, à televisão e a
outros meios de comunicação de massa”.
Não
aguentava mais aquela merda.
Ela
se levantou de sua escrivaninha e veio buscar a pasta pessoalmente.
— Sr.
Chinaski?
— Sim?
Eram
nove horas da manhã. Um dia depois que ela me requisitara uma
resposta às acusações.
— Só
um instante.
Levou
as 42 páginas para a escrivaninha. Ela leu e leu e leu. Havia alguém
lendo por sobre seus ombros. Depois havia 2, 3, 4, 5. Todos lendo. 6,
7, 8, 9. Todos lendo.
“Que
diabos!”, pensei.
Depois
escutei uma voz vinda da multidão: “Bem, todos os gênios são
beberrões!”, como se isso explicasse a questão. Outra vez, haviam
visto filmes demais.
Ela
se ergueu da cadeira com as 42 páginas na mão.
— Sr.
Chinaski?
— Sim?
— Seu
caso segue em aberto. Mandaremos notícia.
— Enquanto
isso, continuo trabalhando?
— Enquanto
isso, continue trabalhando.
— Bom
dia — eu disse.
4
Uma
noite, fui escalado para trabalhar ao lado de Butchner. Ele não
carimbava nenhuma carta. Só ficava ali sentado. E falava.
Uma
jovem se aproximou e se sentou no fim da ala. Ouvi Butchner:
— Ei,
sua vadia! Quer meu caralho na sua boceta, não é? E isso que você
quer, sua vadia, não é mesmo?
Segui
carimbando a correspondência. O supervisor passou por nós. Butchner
disse:
— Você
está na minha lista, mãezona! Vou pegar você, mãezona de merda!
Seu cretino fodido! Chupador!
Os
supervisores nunca incomodavam Butchner. Ninguém jamais incomodava
Butchner.
Então
ouvi de novo.
— Muito
bem, baby! Não gosto dessa sua cara. Você está na minha lista,
mamãe! Está no topo da minha lista! Vou pegar esse seu rabo! Ei,
estou falando com você! Está me ouvindo?
Era
demais. Larguei minhas cartas.
— Tudo
bem — eu disse. — Estou falando com você! Venha aqui com essas
suas roupas fedidas! Quer que seja aqui ou prefere ir lá fora?
Olhei
para o Butchner. Ele estava falando com o teto, o demente:
— Eu
te disse, você está no topo da minha lista! Vou te pegar e vou te
aprontar uma boa!
Pelo
amor de Deus, pensei, aquele cara era de foder! Os funcionários
estavam muito quietos. Não podia condená-los. Levantei, fui buscar
um pouco de água. Depois voltei. Vinte minutos mais tarde, levantei
para o meu descanso de dez minutos. Quando voltei, o supervisor me
esperava. Um homem negro e gordo, mal entrado nos cinquenta. Gritou
para mim:
— CHINASKI!
— Qual
é o problema, homem? — perguntei.
— Deixou
seu lugar duas vezes em trinta minutos!
— Sim,
tomei um gole d’água na primeira vez. Trinta segundos. Depois fui
para o intervalo.
— Vamos
supor que você trabalhasse numa máquina! Não poderia largar sua
máquina duas vezes em trinta minutos!
Sua
cara inteira reluzia em fúria. Era surpreendente. Não conseguia
entender.
— ESTOU
PONDO VOCÊ NO RELATÓRIO!
— Tudo
bem — eu disse.
Desci
e me sentei ao lado de Butchner. O supervisor desceu com o relatório.
Estava escrito à mão. Eu não conseguia nem lê-lo. Tinha escrito
com tal fúria que saíra tudo coberto de borrões e rasuras.
Dobrei
o relatório em forma de um pequeno quadrado, deslizei-o para o bolso
de trás das calças.
— Vou
matar esse filho da puta! — disse o Butchner.
— Tomara
que você consiga, gorducho — eu disse —, espero mesmo que você
consiga!
Charles Bukowski, in Cartas na Rua
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