[...]
— Quando
eu era criança, tinha um gato igualzinho a você!
Satoru
pegou um álbum de fotos do armário e me mostrou.
— Olha
só.
Era
o álbum inteiro só de fotos do mesmo gato. Ah, já saquei tudo! Os
humanos que fazem esse tipo de coisa são os tais “gateiros”.
O
gato das fotos realmente se parecia comigo. Tinha o pelo quase todo
branco, com exceção de duas manchinhas marrons na testa e o rabo
preto e torto. A única diferença era que o rabo dele virava para o
outro lado. Até as manchas no rosto eram idênticas.
— Ele
se chamava Hachi, “oito”, por causa dessas manchas inclinadas na
testa, que parecem o ideograma do número.
Nossa,
mas que falta de criatividade! Oito, Nana, como no ideograma 八!
Comecei a ficar preocupado com o nome que ele pretendia me dar.
E
se ele me chamar de “nove”? Eu seria “Kyu”?
— Que
tal Nana, de “sete”?
Opa,
uma subtração? Por essa eu não esperava.
— É
que seu rabo faz uma curva para o lado oposto do rabo do Hachi, e
olhando de cima parece o número 7!
Ah,
então a coisa tinha a ver com meu rabo…
Ei,
espera aí. Nana não é nome de menina? Eu sou um macho autêntico,
viu? Como é que fica isso?
— É
um bom nome, hein, Nana? Sete é o número da sorte!
Miei
bem alto — Ei, me ouve! —, mas Satoru só afagou meu queixo,
sorrindo satisfeito.
— Achou
legal também?
Não!
Mas… poxa, perguntar enquanto me faz carinho é sacanagem.
Foi
só eu me distrair e dar uma ronronadinha que Satoru se animou:
— Que
bom que você gostou!
Nããão,
eu odiei!
Acabei
nunca tendo a oportunidade de esclarecer o mal-entendido (o cara não
parava com os cafunés!), então esse ficou sendo meu nome.
— Vamos
precisar nos mudar …
Naquele
prédio eram proibidos animais de estimação, Satoru tinha negociado
para eu poder ficar só até minha pata sarar. Fomos morar em um
apartamento no mesmo bairro. Mudar de casa por causa de um gato…
Sei que eu, por razões óbvias, não deveria dizer isto, mas só um
gateiro de carteirinha para fazer uma coisa dessas.
E
assim começou nossa vida juntos. Satoru não deixava nada a desejar
como roommate de gato, e eu não deixava nada a desejar como roommate
de humano.
A
gente realmente se entendeu muito bem, durante aqueles cinco anos.
*
Eu
já era um gato adulto e Satoru passava dos trinta anos quando
partimos.
— Nana,
me perdoe.
Satoru
afagou minha cabeça. Tudo bem, tudo bem, não se preocupe.
— Me
perdoe por ter que fazer isso.
Não
precisa dizer mais nada. Sou um gato muito sagaz, já entendi tudo.
— Eu
não queria ter que me desfazer de você, nunca.
Não
tem jeito, a vida nem sempre corre como a gente deseja. Pelo menos eu
tenho sete delas.
Se
eu não puder mais viver com você, volto à situação em que eu
estava cinco anos atrás, só isso. É como se, naquele incidente em
que quebrei a perna, eu tivesse só esperado sarar e ido embora.
Pronto. Tive um pequeno hiato, mas amanhã mesmo posso voltar a ser
um gato de rua.
Não
perdi nada. Só ganhei: o nome Nana e os cinco anos que passamos
juntos.
Então
não faz essa cara, vai.
Um
bom gato aceita, sem drama, tudo o que o destino lhe reserva.
A
única vez que não consegui fazer isso foi quando quebrei a pata e
gritei por socorro.
— Bom,
então vamos indo?
Satoru
abriu a portinhola da caixa de transporte e eu entrei, obediente.
Durante os anos que vivi com Satoru, sempre fui muito obediente.
Nunca fiz escândalo ou me recusei a entrar na caixa, nem quando ele
ia me levar ao veterinário, aquele inferno na terra.
O.k.,
vamos lá. Eu, que não deixei nada a desejar como roommate,
certamente não deixarei nada a desejar como companheiro de viagem.
Satoru
entrou na van prata, carregando minha caixa.
Hiro Arikawa, in Relatos de um gato viajante
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