Tapeçaria (sem título), de Genaro de Carvalho
Tanto
na cor como nas formas, as tapeçarias e pinturas de Genaro de
Carvalho tinham uma criatividade audaciosa, sem ser chocante.
Sente-se em cada tapete o rigoroso artesanato que o próprio Genaro
exigia: ele era hoje o tapeceiro como os da Idade Média e da
Renascença. Era o maior artista que tínhamos no gênero, além de
pioneiro da tapeçaria no Brasil. Há mais de 20 anos Genaro se dava,
com calmo fervor, a seu métier, sempre se renovando, tanto na
temática como na técnica. “Nunca fui interessado em ser um
artista dernier cri somente original.” Foi a busca de novas
soluções práticas que o levou a realizar às vezes, na tapeçaria,
a textura de várias camadas com a aplicação de materiais
insólitos.
Quando
estive em Salvador, conheci-o e conversamos. Como lhe veio a ideia de
fazer tapeçaria? amor pela contextura do material ou amor pelo
objeto?
– Porque
sobretudo acho a tapeçaria uma coisa lindíssima. Criar é sobretudo
não morrer. É uma necessidade vital, orgânica, indispensável. E
cotidiana, Se eu não criasse artes, certamente criaria outra coisa
de que gostasse.
Reproduzirei
parte de um texto que o próprio Genaro escreveu no catálogo de uma
de suas exposições:
A
arte que faço é uma arte de amor, sempre foi. Faço porque gosto, e
desejo que outros gostem também. Nunca foi nem será uma arte
hermética, não é uma arte de revolta nem de protesto, mas isso não
quer dizer que eu esteja de acordo com as dores do mundo
contemporâneo. Sou participante e testemunha de todos os conflitos e
acontecimentos. Vejo e sinto o grande desencontro, a luta pela
sobrevivência. Considero que o homem atual, atingido no cerne de seu
ser pelas mais diversas situações aflitivas, necessita pelo menos
de uma pausa, ou de um alento que lhe retempere as forças,
restituindo-lhe o ânimo. A arte que faço é uma tentativa de
proporcionar esse momento. Se puder contribuir com um pouco de
alegria e otimismo, a missão a que me propus estará cumprida. Sou
um anti-shocking, um
anti-impacto, um
antitrágico. A vida
está cheia de choques, de impactos e de tragédias. Para que lembrar
na arte? Ademais, há muitas coisas que não se podem remediar.
– Genaro,
não estou completamente de acordo com você. Acho que a arte,
denunciando o sofrimento humano, consola o homem com sua compreensão.
Acho que arte serve de base para se poder mais profundamente sentir e
pensar. Mas voltemos à tapeçaria: você usa o tear e o que mais?
– Uso
o tear, as mãos, o pincel, a tela, o amor e a vontade.
– A
experiência brasileira na tapeçaria difere da experiência
europeia?
– Minha
volta ao Brasil foi uma volta necessária. Eu começava a olhar os
céus azuis, as folhinhas, e a sonhar com uma arte tropical
exuberante, e sobretudo regionalista. Falar de mim, Clarice, é falar
de minha mulher, Nair, que sempre me incentivou, é falar de meus
amigos que sempre me incentivaram e que me ensinaram a gostar do que
faço como gosto dos quadros de Di Cavalcanti, Milton Dacosta etc.
Como todo homem sou uma data: tenho compromissos com minha geração.
Considero que a tapeçaria é um trabalho regional. Cada lugar tem a
sua tradição e o seu processo, que às vezes remonta a séculos.
Isso faz com que a tapeçaria realizada na França, por exemplo,
difira da realizada na Tchecoslováquia ou na Pérsia. Portugal tem
um tipo de lavor popular que se tornou famoso.
– Qual
a fagulha que faz com que você queira criar?
– O
momento de inspiração pode nascer das mais simples coisas, de um
pequeno detalhe, de uma planta balançando ao vento, de heras subindo
por um muro. Às vezes me inspiro em meus próprios quadros. Mas é
preciso que eu esteja alegre. Acho que uma pessoa alegre pode fazer
grandes coisas.
– Sua
arte reflete exuberância, mas vinda da introspecção. Estou certa
ou errada?
– Está
certa.
– Você
acha que sua tapeçaria seria a mesma se você não morasse na Bahia?
Refiro-me à influência de cores e luzes?
– A
Bahia é minha eterna namorada, e realmente suas cores e luzes me
fascinam, a luminosidade de seus poentes, o amarelo dos seus
coqueiros flexíveis e farfalhantes. Pode ser lugar-comum ou letra de
samba, mas é a verdade.
Esse
homem morreu.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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