quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Genaro

Tapeçaria (sem título), de Genaro de Carvalho

Tanto na cor como nas formas, as tapeçarias e pinturas de Genaro de Carvalho tinham uma criatividade audaciosa, sem ser chocante. Sente-se em cada tapete o rigoroso artesanato que o próprio Genaro exigia: ele era hoje o tapeceiro como os da Idade Média e da Renascença. Era o maior artista que tínhamos no gênero, além de pioneiro da tapeçaria no Brasil. Há mais de 20 anos Genaro se dava, com calmo fervor, a seu métier, sempre se renovando, tanto na temática como na técnica. “Nunca fui interessado em ser um artista dernier cri somente original.” Foi a busca de novas soluções práticas que o levou a realizar às vezes, na tapeçaria, a textura de várias camadas com a aplicação de materiais insólitos.
Quando estive em Salvador, conheci-o e conversamos. Como lhe veio a ideia de fazer tapeçaria? amor pela contextura do material ou amor pelo objeto?
Porque sobretudo acho a tapeçaria uma coisa lindíssima. Criar é sobretudo não morrer. É uma necessidade vital, orgânica, indispensável. E cotidiana, Se eu não criasse artes, certamente criaria outra coisa de que gostasse.
Reproduzirei parte de um texto que o próprio Genaro escreveu no catálogo de uma de suas exposições:

A arte que faço é uma arte de amor, sempre foi. Faço porque gosto, e desejo que outros gostem também. Nunca foi nem será uma arte hermética, não é uma arte de revolta nem de protesto, mas isso não quer dizer que eu esteja de acordo com as dores do mundo contemporâneo. Sou participante e testemunha de todos os conflitos e acontecimentos. Vejo e sinto o grande desencontro, a luta pela sobrevivência. Considero que o homem atual, atingido no cerne de seu ser pelas mais diversas situações aflitivas, necessita pelo menos de uma pausa, ou de um alento que lhe retempere as forças, restituindo-lhe o ânimo. A arte que faço é uma tentativa de proporcionar esse momento. Se puder contribuir com um pouco de alegria e otimismo, a missão a que me propus estará cumprida. Sou um anti-shocking, um anti-impacto, um antitrágico. A vida está cheia de choques, de impactos e de tragédias. Para que lembrar na arte? Ademais, há muitas coisas que não se podem remediar.

Genaro, não estou completamente de acordo com você. Acho que a arte, denunciando o sofrimento humano, consola o homem com sua compreensão. Acho que arte serve de base para se poder mais profundamente sentir e pensar. Mas voltemos à tapeçaria: você usa o tear e o que mais?
Uso o tear, as mãos, o pincel, a tela, o amor e a vontade.
A experiência brasileira na tapeçaria difere da experiência europeia?
Minha volta ao Brasil foi uma volta necessária. Eu começava a olhar os céus azuis, as folhinhas, e a sonhar com uma arte tropical exuberante, e sobretudo regionalista. Falar de mim, Clarice, é falar de minha mulher, Nair, que sempre me incentivou, é falar de meus amigos que sempre me incentivaram e que me ensinaram a gostar do que faço como gosto dos quadros de Di Cavalcanti, Milton Dacosta etc. Como todo homem sou uma data: tenho compromissos com minha geração. Considero que a tapeçaria é um trabalho regional. Cada lugar tem a sua tradição e o seu processo, que às vezes remonta a séculos. Isso faz com que a tapeçaria realizada na França, por exemplo, difira da realizada na Tchecoslováquia ou na Pérsia. Portugal tem um tipo de lavor popular que se tornou famoso.
Qual a fagulha que faz com que você queira criar?
O momento de inspiração pode nascer das mais simples coisas, de um pequeno detalhe, de uma planta balançando ao vento, de heras subindo por um muro. Às vezes me inspiro em meus próprios quadros. Mas é preciso que eu esteja alegre. Acho que uma pessoa alegre pode fazer grandes coisas.
Sua arte reflete exuberância, mas vinda da introspecção. Estou certa ou errada?
Está certa.
Você acha que sua tapeçaria seria a mesma se você não morasse na Bahia? Refiro-me à influência de cores e luzes?
A Bahia é minha eterna namorada, e realmente suas cores e luzes me fascinam, a luminosidade de seus poentes, o amarelo dos seus coqueiros flexíveis e farfalhantes. Pode ser lugar-comum ou letra de samba, mas é a verdade.
Esse homem morreu.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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