sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Cartas para minha avó

Mãe, me leva ao dermatologista, estou com umas manchas esquisitas.”
Claro, filha.”
Obrigada.”
Jamais agradeci a meus pais por me levarem ao médico ou coisa parecida. Na minha inocência, eu entendia que essas eram coisas que mães e pais faziam, como parte de sua “obrigação”. Thulane não vê assim. E acho lindo, talvez ela me enxergue para além do papel de mãe, talvez conheça a Djamila. Faço questão de lhe dizer quando estou triste, de falar quem eu sou. Claro que sou filha de dona Erani e não tolero desrespeito — exerço autoridade, não autoritarismo. Eu não queria educá-la para ter medo de mim, mas para me respeitar. Estou aprendendo a ser mais generosa comigo mesma quando erro, procuro não me cobrar tanto. Faço isso por nós, para romper mais um ciclo imposto pelas mãos invisíveis.
E nossa relação é baseada na confiança. Ela me fala dos problemas na escola, dos meninos que acha interessantes. Um ciclo de silêncio sobre sexualidade foi quebrado e ela me expõe suas dúvidas naturalmente (às vezes me assusto em perceber como ela cresceu). Assim como você, vó, ela adora plantas, embora ainda estejamos aprendendo como cuidar de todas que temos aqui em casa. Outro dia, ela ficou aos prantos porque o abacateiro havia morrido.
Thulane é muito sensível. Eu a confortei, disse que veríamos o que havia acontecido de errado com o abacateiro e foi preciso fazer um minuto de silêncio. Pensei em você, vó, que saberia responder o que deu errado e como nos ensinaria como cuidar melhor dele. Mas tudo bem: a vida também é feita da falta. Muitas vezes Thulane é dramática, você sabe, puxou à avó…
Continuo cuidando das ervas como você me ensinou, dou banho de arruda e guiné em Thulane depois de esfregar as ervas em seu corpo. Houve um tempo em que ela se disse ateia. Fingi que aceitei, mas em toda oportunidade eu a alfinetava: “Aff, se sua bisavó benzedeira ouvisse isso, você é bisneta de bruxa, minha filha, não adianta negar”.

Djamila Ribeiro, in Cartas para minha avó

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