Há
aí, entre as cinco ou dez pessoas que me leem, há aí uma alma
sensível, que está decerto um pouquito agastada com o capítulo
anterior, começa a tremer pela sorte de Eugênia, e talvez.., sim,
talvez, lá no fundo de si mesma, me chame cínico. Eu cínico, alma
sensível? Pela coxa de Diana! esta injúria merecia ser lavada com
sangue, se o sangue lavasse alguma coisa nesse mundo. Não, alma
sensível, eu não sou cínico, eu fui homem; meu cérebro foi um
tablado em que se deram peças de todo gênero, o drama sacro, o
austero, o piegas, a comédia louçã, a desgrenhada farsa, os autos,
as bufonerias, um pandemônio, alma sensível, uma barafunda de
coisas e pessoas, em que podias ver tudo, desde a rosa de Esmirna até
a arruda do teu quintal, desde o magnífico leito de Cleópatra até
o recanto da praia em que o mendigo tirita o seu sono. Cruzavam-se
nele pensamentos de vária casta e feição. Não havia ali a
atmosfera somente da águia e do beija-flor; havia também a da lesma
e do sapo. Retira, pois, a expressão, alma sensível, castiga os
nervos, limpa os óculos, – que isso às vezes é dos óculos, –
e acabemos de uma vez com esta flor da moita.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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