sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Seara Vermelha | 4


A vida era difícil e ruim, metade da farinha, do milho e da batata era para a fazenda, além do dia de trabalho gratuito, obrigatório pelo contrato do meeiro. Mas, nem mesmo as crianças que morriam, as doenças que se sucediam, a falta eterna de dinheiro, nada disso era capaz de entristecer Ataliba. Nascera alegre, amigo de festas e brincadeiras, e assim estava envelhecendo. Mesmo nos anos mais difíceis, mesmo naquele ano da seca quando tudo esturricou e ele ficou endividado ate os cabelos, mesmo então Ataliba festejara o São João, que era o dia do santo de sua mulher, Joana. Nenhuma festa porém se poderia comparar a esta de agora, do casamento de sua filha Teresa com Cosme, um trabalhador que era cego de um olho, motivo por que o conheciam como Cosme Doca. Pela cozinha as mulheres trabalham. Joana, a própria Teresa que tirou os sapatos, despiu o vestido novo com que foi ao arraial se casar, e veio ajudar no preparo do porco, das galinhas, do doce de mamão verde. Vieram mocas e mulheres de outras casas, Marta e Feliciana, Mundinha e Caçula, Dinah e Gertrudes. Vai um movimento pela cozinha, e quando as mulheres, passada a chuva e limpo o céu, deram conta que a noite estava chegando, se alarmaram e redobraram o trabalho.
Ataliba corta lenha para o fogo. As mulheres conversam enquanto trabalham e ate ao colono chegam suas vozes. Ataliba esta feliz. Pouco importa que haja gasto nessa festa todas as economias do ano passado e que ficasse encravado no armazém. Trabalho não lhe metia medo e não ia deixar sua filha casar-se sem festejar o acontecimento e com uma festa que ficasse falada como a melhor da fazenda. Bastião viria tocar e em todas aquelas propriedades em redor, nessa noite, nenhum homem, nenhuma mulher deixaria de vir arrastar os pês e comer seu pedaço de porco, beber seu copo de cachaça a saúde da noiva. Ataliba assovia enquanto corta a lenha. Apesar das cláusulas drásticas do contrato de meeiro, ele tira sempre no fim do ano algum saldo. Comem do que a terra produz, planta seu feijão, seu aipim, sua batata-doce. Se o armazém da fazenda, onde compram o que vestir, não roubasse tanto, ele ate poderia juntar algum dinheirinho para atender a uma doença ou a um ano ruim...
Mário Gomes vem vindo pelo caminho. E cedo para a festa, pensa Ataliba. As mulheres ainda estão na cozinha trabalhando. Mas repara logo que Mário não mudou sequer a roupa. Traz na mão uma garrafa e um saco, deve vir do armazém. Ataliba descansa o machado, fica esperando.
- Bas tardes...
- Nosso Senhor Jesus Cristo lhe de boa tarde...
Mário Gomes arria o saco onde conduz o feijão. Estende a garrafa de cachaça:
- Trouxe pra festa de vosmecê...
Ataliba agradece:
- Leve sua cachaça, seu Mario. Obrigado a vancê mas festa minha, eu faço é cum meu dinheiro...
- Não é pra vosmecê se ofender...
- Num tou ofendido, tou agradecendo a vancê. Mas e que tenho essa quizilia, festa minha não aceito ajuda... Sei que a tenção de vancê é boa, mas leve sua cachaça e depois venha se adivirtir... Mário Gomes silencia um minuto, não esta ofendido com a recusa, ele conhece bem Ataliba. Antes de partir para mudar a roupa, avisa:
- Seu Artur vai vir...
Ataliba abre a boca numa admiração:
- Vai vir? Na festa?
- Inho, sim. Ele mesmo me disse faz minutinho. Às vez a gente se engana, faz mau juízo de um vivente... Eu não ia com esse seu Artur... Tinha ele atravessado aqui... - botava a mão na altura da garganta. - Mas ele não é homem ruim... Botou conversa comigo agora lá no armazém... Não é homem ruim...
Ataliba ainda não acreditava:
- Vai vim?
- Me disse... Não é homem de orgulho...
Levantou o saco onde levava o feijão, completou:
- Cada qual sabe de seus pedaços... As vez o sujeito parece uma coisa e e outra... Cada um padece suas tristezas, as vez e isso que engana a gente... Num e homem ruim, num e... Mesmo antes do vulto de Mário Gomes desaparecer no crepúsculo Ataliba gritava para as mulheres na cozinha: um padece suas tristezas, às vez e isso que engana a gente... Num é homem ruim, num é... Mesmo antes do vulto de Mário Gomes desaparecer no crepúsculo Ataliba gritava para as mulheres na cozinha:
- Sabe da novidade? Seu Artur vai vim...
Agora eram elas que se admiravam:
- Na festa?
- Pois é...
E a voz de Joana, cansada e lenta:
- Vamos trabaiar minha gente, ta tudo ainda atrasado...
Ataliba foi espiar a meia dúzia de foguetes que comprara no arraial para soltar nessa noite. Que importa o dinheiro, comparado com a satisfação que um homem pode ter?
um padece suas tristezas, as vez e isso que engana a gente... Num e homem ruim, num e... Mesmo antes do vulto de Mário Gomes desaparecer no crepúsculo Ataliba gritava para as mulheres na cozinha:
- Sabe da novidade? Seu Artur vai vim...
Agora eram elas que se admiravam:
- Na festa?
- Pois é...
E a voz de Joana, cansada e lenta:
- Vamos trabaiar minha gente, ta tudo ainda atrasado...
Ataliba foi espiar a meia dúzia de foguetes que comprara no arraial para soltar nessa noite. Que importa o dinheiro, comparado com a satisfação que um homem pode ter?
- Sabe da novidade? Seu Artur vai vim…
Agora eram elas que se admiravam:
- Na festa?
- Pois é...
E a voz de Joana, cansada e lenta:
- Vamos trabaiar minha gente, tá tudo ainda atrasado...
Ataliba foi espiar a meia dúzia de foguetes que comprara no arraial para soltar nessa noite. Que importa o dinheiro, comparado com a satisfação que um homem pode ter?

Jorge Amado, in Seara Vermelha

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