A
vida era difícil e ruim, metade da farinha, do milho e da batata era
para a fazenda, além do dia de trabalho gratuito, obrigatório pelo
contrato do meeiro. Mas, nem mesmo as crianças que morriam, as
doenças que se sucediam, a falta eterna de dinheiro, nada disso era
capaz de entristecer Ataliba. Nascera alegre, amigo de festas e
brincadeiras, e assim estava envelhecendo. Mesmo nos anos mais
difíceis, mesmo naquele ano da seca quando tudo esturricou e ele
ficou endividado ate os cabelos, mesmo então Ataliba festejara o São
João, que era o dia do santo de sua mulher, Joana. Nenhuma festa
porém se poderia comparar a esta de agora, do casamento de sua filha
Teresa com Cosme, um trabalhador que era cego de um olho, motivo por
que o conheciam como Cosme Doca. Pela cozinha as mulheres trabalham.
Joana, a própria Teresa que tirou os sapatos, despiu o vestido novo
com que foi ao arraial se casar, e veio ajudar no preparo do porco,
das galinhas, do doce de mamão verde. Vieram mocas e mulheres de
outras casas, Marta e Feliciana, Mundinha e Caçula, Dinah e
Gertrudes. Vai um movimento pela cozinha, e quando as mulheres,
passada a chuva e limpo o céu, deram conta que a noite estava
chegando, se alarmaram e redobraram o trabalho.
Ataliba
corta lenha para o fogo. As mulheres conversam enquanto trabalham e
ate ao colono chegam suas vozes. Ataliba esta feliz. Pouco importa
que haja gasto nessa festa todas as economias do ano passado e que
ficasse encravado no armazém. Trabalho não lhe metia medo e não ia
deixar sua filha casar-se sem festejar o acontecimento e com uma
festa que ficasse falada como a melhor da fazenda. Bastião viria
tocar e em todas aquelas propriedades em redor, nessa noite, nenhum
homem, nenhuma mulher deixaria de vir arrastar os pês e comer seu
pedaço de porco, beber seu copo de cachaça a saúde da noiva.
Ataliba assovia enquanto corta a lenha. Apesar das cláusulas
drásticas do contrato de meeiro, ele tira sempre no fim do ano algum
saldo. Comem do que a terra produz, planta seu feijão, seu aipim,
sua batata-doce. Se o armazém da fazenda, onde compram o que vestir,
não roubasse tanto, ele ate poderia juntar algum dinheirinho para
atender a uma doença ou a um ano ruim...
Mário
Gomes vem vindo pelo caminho. E cedo para a festa, pensa Ataliba. As
mulheres ainda estão na cozinha trabalhando. Mas repara logo que
Mário não mudou sequer a roupa. Traz na mão uma garrafa e um saco,
deve vir do armazém. Ataliba descansa o machado, fica esperando.
-
Bas tardes...
-
Nosso Senhor Jesus Cristo lhe de boa tarde...
Mário
Gomes arria o saco onde conduz o feijão. Estende a garrafa de
cachaça:
-
Trouxe pra festa de vosmecê...
Ataliba
agradece:
-
Leve sua cachaça, seu Mario. Obrigado a vancê mas festa minha, eu
faço é cum meu dinheiro...
-
Não é pra vosmecê se ofender...
-
Num tou ofendido, tou agradecendo a vancê. Mas e que tenho essa
quizilia, festa minha não aceito ajuda... Sei que a tenção de
vancê é boa, mas leve sua cachaça e depois venha se adivirtir...
Mário Gomes silencia um minuto, não esta ofendido com a recusa, ele
conhece bem Ataliba. Antes de partir para mudar a roupa, avisa:
-
Seu Artur vai vir...
Ataliba
abre a boca numa admiração:
-
Vai vir? Na festa?
-
Inho, sim. Ele mesmo me disse faz minutinho. Às vez a gente se
engana, faz mau juízo de um vivente... Eu não ia com esse seu
Artur... Tinha ele atravessado aqui... - botava a mão na altura da
garganta. - Mas ele não é homem ruim... Botou conversa comigo agora
lá no armazém... Não é homem ruim...
Ataliba
ainda não acreditava:
-
Vai vim?
-
Me disse... Não é homem de orgulho...
Levantou
o saco onde levava o feijão, completou:
-
Cada qual sabe de seus pedaços... As vez o sujeito parece uma coisa
e e outra... Cada um padece suas tristezas, as vez e isso que engana
a gente... Num e homem ruim, num e... Mesmo antes do vulto de Mário
Gomes desaparecer no crepúsculo Ataliba gritava para as mulheres na
cozinha: um padece suas tristezas, às vez e isso que engana a
gente... Num é homem ruim, num é... Mesmo antes do vulto de Mário
Gomes desaparecer no crepúsculo Ataliba gritava para as mulheres na
cozinha:
-
Sabe da novidade? Seu Artur vai vim...
Agora
eram elas que se admiravam:
-
Na festa?
-
Pois é...
E
a voz de Joana, cansada e lenta:
-
Vamos trabaiar minha gente, ta tudo ainda atrasado...
Ataliba
foi espiar a meia dúzia de foguetes que comprara no arraial para
soltar nessa noite. Que importa o dinheiro, comparado com a
satisfação que um homem pode ter?
um
padece suas tristezas, as vez e isso que engana a gente... Num e
homem ruim, num e... Mesmo antes do vulto de Mário Gomes desaparecer
no crepúsculo Ataliba gritava para as mulheres na cozinha:
-
Sabe da novidade? Seu Artur vai vim...
Agora
eram elas que se admiravam:
-
Na festa?
-
Pois é...
E
a voz de Joana, cansada e lenta:
-
Vamos trabaiar minha gente, ta tudo ainda atrasado...
Ataliba
foi espiar a meia dúzia de foguetes que comprara no arraial para
soltar nessa noite. Que importa o dinheiro, comparado com a
satisfação que um homem pode ter?
-
Sabe da novidade? Seu Artur vai vim…
Agora
eram elas que se admiravam:
-
Na festa?
-
Pois é...
E
a voz de Joana, cansada e lenta:
-
Vamos trabaiar minha gente, tá tudo ainda atrasado...
Ataliba
foi espiar a meia dúzia de foguetes que comprara no arraial para
soltar nessa noite. Que importa o dinheiro, comparado com a
satisfação que um homem pode ter?
Jorge Amado, in Seara Vermelha
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