Esqueci
que estavam lá.
Esqueci
que estavam lá até o dia seguinte, quando fiquei deitado na cama
com uma dor incrível nas costas por causa das fossas que tinha
cavado no dia anterior. Não sei por que me lembrei. Só lembrei. As
imagens. As imagens.
Estavam
escondidas debaixo da minha cama.
— As
imagens — falei para mim mesmo e, sem pensar, saí da cama no
quarto escuro que, aos poucos, clareava, e peguei as imagens. Eram
imagens de mulheres que eu encontrara em um tipo de catálogo de loja
de roupas de banho, que veio pelo correio no Natal passado. Eu tinha
guardado.
De
volta à cama, olhei as imagens de todas aquelas mulheres com as
costas arqueadas e sorrisos, cabelos, lábios, quadris, pernas e tudo
mais.
Vi
a auxiliar de dentista nele. Não de verdade, claro. Só a imaginei
lá. Ela ficaria bem nele.
— Pai
do céu — falei, ao ver uma das mulheres. Olhei e fiquei com muita
vergonha na cama porque... Não sei.
Só
parecia que era feio fazer aquilo. Nem bem tinha amanhecido, e eu
estava babando por aquelas mulheres, enquanto o restante da casa
ainda dormia. E, pior ainda, num catálogo de Natal. E já estávamos
em junho. Mesmo assim, olhei e virei as páginas do catálogo. Rube
ainda roncava no outro canto do quarto.
Engraçado:
olhar para aquelas mulheres devia deixar um garoto como eu muito
feliz, mas isso só me fazia ficar com raiva. Ficava com raiva por
ser tão fraco e olhar, feito esses caras pervertidos, para mulheres
que podiam me comer no café da manhã. Pensei também, mas só por
um segundo, em como uma garota da minha idade se sentiria olhando
para aquilo. Era provável que ficasse mais zangada do que eu,
porque, embora tudo que eu quisesse era tocar essas mulheres, a
garota devia ser essas mulheres.
Ela
tinha que aspirar ser uma daquelas mulheres. Devia ser muita pressão.
Recostei,
sem jeito, na cama.
Eu
não tinha jeito.
— Safado.
— Ouvi o Rube dizer no outro dia, lá no dentista.
— É.
Safado — concordei em voz alta, e sabia que, quando ficasse mais
velho, não ia querer ser um desses caras débeis mentais que
penduram pôsteres de mulheres nuas da Playboy na parede da garagem.
Não quero isso.
Naquele
momento, não queria, por isso, tirei o catálogo sob o meu
travesseiro e o rasguei na metade, depois, em quatro, e assim por
diante, sabendo que ia me arrepender.
Ia
me arrepender da próxima vez que quisesse olhar.
Eu
não tinha jeito.
Quando
me levantei, joguei os pedaços de mulheres no meio da pilha de lixo
para reciclar. Imaginei que elas voltariam no próximo Natal em um
novo catálogo. Com os pedaços colados. Era inevitável.
Outra
coisa inevitável era eu ir até o Lumsden Oval para ver Rube e Steve
jogarem. O time de Steve era um dos melhores por aí e o de Rube, um
dos piores que se podia ver em toda a vida. Rube e os colegas de time
eram humilhados todas as semanas, e isso não era nada bonito de se
ver. Rube, em si, não era mau jogador. Nem ele, nem uns poucos. Os
outros eram totalmente inúteis.
Tomamos
café mais tarde, vendo o programa Sportsworld, e ele me perguntou: —
Então qual é a sua aposta para o placar de hoje? Setenta a zero?
Oitenta a zero? — Não sei.
— Talvez
a gente finalmente chegue aos três algarismos.
— Talvez.
Mastigamos.
Mastigamos
enquanto Steve subia, vindo do porão, e pegava cinco bananas sobre a
mesa para comer. Fazia isso todo domingo, e comia as bananas
grunhindo pro Rube e pra mim.
No
campo, no fim das contas, Rube acabou não errando por muito. Perdeu:
76 a 2. O outro time era imenso. Maiores, mais fortes e mais peludos.
O time de Rube só conseguiu marcar os dois pontos no fim do jogo,
quando o juiz inventou uma falta por pena. Eles chutaram a bola
apenas para tirar o zero do placar. Não tinha ninguém comemorando
ou coisa parecida, então, o cobrador tirou as chuteiras, pôs a bola
em cima delas e chutou para o gol usando apenas meias. Em comparação,
o time de Steve jogou bem, ganhou por 24 a 10, e Steve, como sempre,
arrebentou.
No
fim, só duas coisas meio interessantes aconteceram durante todo o
dia.
A
primeira é que vi Greg Fienni, um cara que tinha sido meu melhor
amigo até pouco tempo atrás. A questão é que simplesmente
deixamos de ser os melhores amigos.
Não
teve nenhum incidente, nenhuma briga, nada. Aos poucos, deixamos de
ser parceiros. Provavelmente, porque Greg passou a se interessar por
skate e se juntou a outro grupo. Para ser sincero, ele até tentou me
fazer entrar no grupo com ele, mas eu não estava interessado. Eu
gostava muito do Greg, mas não ia segui-lo. Agora estava metido com
a turma do skate, e eu, bem, não tenho certeza de onde estava
metido. Estava andando por aí por conta própria, e gostava disso.
No
campo, quando cheguei, o jogo de Rube já tinha começado, e havia um
bando de garotos sentado no canto superior, assistindo. Quando passei
por eles, ouvi uma voz me chamar. Sabia que era Greg.
— Cam!
— chamou. — Cameron Wolfe!
— Oi.
— Virei. — E aí, Greg. (Devia ter posto um ponto de interrogação
aqui, mas o que eu disse não era bem uma pergunta. Era uma
saudação.) Em seguida, Greg saiu do meio dos companheiros e
caminhou na minha direção. Foi rápido. Perguntou: — Quer saber o
placar?
— É.
Estou meio atrasado, hein? — Olhei de modo estranho para o cabelo
afro descolorido. — Qual o placar?
— Vinte
a zero.
O
outro time marcou. Rimos.
— Vinte
a quatro.
— Ei,
senta aí! — gritou alguém da turma. — Ou sai da frente!
— Está
bem. — Encolhi os ombros e levantei a cabeça na direção de Greg.
Ele olhou para os colegas por um momento e, então, falou: — Vejo
você depois, não é? Umas garotas tinham acabado de se juntar ao
grupo também. Acho que eram umas cinco. E eram bonitas. Duas delas
tinham o tipo de beleza que disputa os concursos de mais bela da
escola, enquanto as outras eram mais normais. Um tipo de beleza mais
real. Garotas reais, pensei, que, um dia, com sorte, podem vir falar
comigo.
— Está
bem. — E Greg virou para os colegas. — Nos falamos depois.
Um
mês depois, na verdade.
Engraçado,
pensei, enquanto dava a volta na corda que delimitava o campo.
Antigamente, melhores amigos, e agora não temos quase nada a dizer
um ao outro. Era interessante como ele havia se juntado àqueles
caras, e eu tinha ficado na minha. Não gostava nem desgostava disso.
Só era engraçado que as coisas terminassem assim.
A
segunda coisa interessante foi que, ao voltar para casa, à noitinha,
eu estava sentado na varanda da frente, vendo os carros passarem,
quando Sarah e o namorado vieram subindo a rua. O carro dele estava
do lado de fora da casa, mas tinham decidido sair para dar uma
caminhada. O carro era o orgulho e a alegria dele. Era um Ford
vermelho que tinha um motor e tanto sob o capo.
Algumas
pessoas tinham uma queda por carros, mas, para mim, elas pareciam bem
idiotas. Se você olhasse pela minha janela, podia ver toda a cidade
sob uma cortina de fumaça de carro. Além disso, tem uns caras que
sobem e descem a nossa rua até altas horas da noite e se acham
superincríveis.
Sinceramente,
acho que são uns otários.
Mas
quem sou eu pra dizer isso? A primeira coisa que faço quando acordo,
no domingo de manhã, é ver imagens de mulheres seminuas.
Então.
Subindo
a rua, eu os observo: Sarah e o namorado. Eu sabia que eram eles por
causa dos jeans claros de Sarah, que ela usava com frequência.
Talvez ela tivesse outros mais.
Eu
me lembro melhor do modo como ela e o namorado que, por sinal, se
chamava Bruce, estavam de mãos dadas enquanto caminhavam. Era bonito
de ver.
Mesmo
um garoto sujo como eu podia ver isso.
Eu
podia.
Confessei
a mim mesmo, na minúscula varanda da frente, que era uma beleza ver
minha irmã e Bruce Patterson caminhando assim na rua, e, para ser
sincero, pode me chamar do que quiser por dizer isso.
Na
verdade, era isso que eu queria: ter o que minha irmã e Bruce
tinham.
Claro,
eu queria aquelas mulheres do catálogo, mas elas eram... irreais.
Eram temporárias. Seriam desse jeito sempre. Apenas algo para
recortar e jogar fora.
— E
então? Como vai? — Tudo bem.
Sarah
e Bruce se aproximaram da varanda da frente e entraram.
Neste
exato momento, ainda me lembro dos dois andando a rua desse jeito.
Ainda vejo.
A
pior coisa nessa história é que não demorou muito para o Bruce
trocar a Sarah por outra. Conheço a substituta, mais adiante nessas
páginas, mas só dou uma olhadela.
Palavras
rápidas. Palavras rápidas na porta da frente.
Ela
parecia legal, mas não sei.
Não
sei de nada, na verdade.
Eu...
Talvez,
tudo o que eu saiba é que, naquele dia, na varanda da frente, quando
observei Sarah e Bruce, senti alguma coisa e jurei que, se um dia eu
tivesse uma namorada, eu a trataria direito e nunca seria mau nem
safado com ela, nem a magoaria. Nunca. Jurei e tinha toda a confiança
do mundo de que manteria a promessa.
— Eu
a trataria direito — falei.
— Trataria.
— Trataria.
— ...
trataria.
Estou
no campeonato de críquete com um grupo maior de caras atrás de mim.
Está chovendo de leve, e os jogadores estão fora do campo, por
isso, todos estão infelizes.
Os
caras atrás de mim gritaram durante todo o dia, xingando os
adversários, uns aos outros, e quem mais encontrassem.
Mais
cedo, gritaram para um cara chamado Harris.
— Ei,
Harris! Mostra pra gente onde você não tem cabelo! — Harris, seu
tarado! Fico parado, próximo à cerca, em silêncio. Quando nosso
time estava defendendo, também chatearam um bocado os nossos caras,
gritando: — Ei, Lehmann, você tem sorte de estar em campo. Faz a
ola pra gente! Lehmann não fez, e eles não pararam.
— Ei,
Lehmann, seu bosta ignorante, faz uma ola pra gente, ou vai ganhar
uma chuva de cerveja na cabeça! Depois de um tempo, o cara fez a
ola, e todos comemoraram, mas agora, por causa do atraso e da chuva,
a coisa está ficando exagerada.
A
ola mexicana está dando a volta no campo.
As
pessoas se levantam, atirando o que tiverem à mão e vaiando quando
a ola chega aos bancos de reservas dos times, e eles não se
levantam.
Quando
a onda para, os caras descobrem um segurança jovem uns vinte metros
à nossa direita. Ele é um dos muitos seguranças que usam calça
preta, botas pretas e camisa amarela.
Ele
é grande e parece meio bobo, o cabelo dele é preto e oleoso, e tem
costeletas imensas, que vão quase até o queixo.
Começam
a gritar para ele: — Ei, você! Segurança! Faça uma ola!
Ele
nos vê, mas não responde.
— Ei,
Elvis, faça uma ola!
Ele
sorri e assente, cheio de autocontrole, aguentando os comentários
maldosos. Oohs e aahs, e você é um idiota e tal. Eles continuam.
— Ei,
Travolta!
— Ei,
Travolta, faça uma ola! Direito!
Próximo
ao fim do sonho, sinto-me repentinamente estranho e percebo que estou
nu. Sim, nu.
— Cara,
está tudo bem? — pergunta alguém atrás de mim. Então, as
provocações começam.
— Caramba,
eu te dou uma grana se você correr assim pelo campo.
Digo
que não, e a cada vez que faço isso uma peça de roupa volta a
aparecer sobre apele.
O
sonho maluco termina quando me sento lá, de novo, com as roupas
normais, feliz e sorridente por não correr, nem invadir o campo,
como queriam que eu fizesse.
Como
o sonho sugere, posso ser pervertido e maluco, mas não sou um
completo idiota.
— Vocês
não vão me pegar sem calça. Pelo menos, não por enquanto.
Ninguém
me ouve.
Os
jogadores voltam para o campo.
O
segurança continua cheio de autocontrole.
Markus Zusak, in O Azarão
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