terça-feira, 22 de agosto de 2023

Cartas na Rua | DOIS



4

Então Joyce quis voltar para a cidade. Com todas as vantagens e desvantagens, aquela cidadezinha, com ou sem cortes de cabelo, era melhor do que a cidade grande. Era tranquila. Tínhamos nossa própria casa. Joyce me alimentava bem. Muita carne. Carne saborosa, boa, bem preparada. Deixe-me dizer uma coisa sobre essa vadia: ela sabia cozinhar. Cozinhava melhor do que qualquer mulher que já conheci. A comida é boa para o espírito e para os nervos. A coragem vem da barriga — tudo mais é desespero.
Mas não, ela queria partir. A avó estava sempre em cima dela, e isso a deixava maluca. Quanto a mim, preferiria seguir bancando o vilão. Eu tinha feito o primo dela, o valentão da cidade, baixar a bola. Ninguém tinha feito isso antes. No dia da calça de brim, todo mundo na cidadezinha era obrigado a usar calça jeans, se não quisesse ser jogado no lago. Vesti meu único terno e gravata e, vagarosamente, como Billy the Kid, sentindo que todos os olhos estavam sobre mim, atravessei sem pressa a cidade, olhando para dentro das casas, parando para uns charutos. Parti aquela cidadezinha em duas como a um palito de fósforo.
Mais tarde, encontrei o médico da cidade na rua. Gostava dele. Estava sempre sob o efeito de drogas. Eu não era um sujeito ligado em drogas, mas no caso de precisar me esconder de mim mesmo por alguns dias, sabia ser possível conseguir com ele qualquer coisa que eu quisesse.
Vamos ter que ir embora — eu lhe disse.
Você devia ficar por aqui — ele disse —, é uma vida mansa. Há muita caça, muita pescaria. O ar é bom. E não há pressão. Você é o dono desta cidade.
Sei disso, doutor, mas lá em casa é ela que fala grosso.

5


Então o vovô preencheu um cheque graúdo para Joyce, e lá fomos nós. Alugamos uma pequena casa numa colina, e logo Joyce começou a me aplicar uma baboseira moralista:
Nós dois precisamos de um emprego, para provar a eles que não estamos atrás do dinheiro da família. Para provar a eles que somos autossuficientes.
Baby, isso é coisa de pré-primário. Qualquer cretino pode dar um jeito de arrumar um emprego; um homem sábio, no entanto, consegue se virar sem trabalhar. Aqui chamamos isso de “trapacear”. Gostaria de ser um bom “trapaceiro”.
Ela não quis saber.
Então expliquei a ela que um homem não podia encontrar emprego se não tivesse um carro para andar por aí. Joyce foi ao telefone e o avô mandou o dinheiro. A próxima de que me lembro é de estar sentando num Plymouth novo. Ela me mandava para a rua vestindo um terno novo e vistoso, sapatos de quarenta dólares, e eu pensava, foda-se, vou tentar fazer isso render o quanto der. Despachante, eis o que eu era. Quando você não sabia fazer nada, é isso que você se torna: um despachante, um recepcionista, um garoto de estoque. Dei uma olhada em dois anúncios, fui a dois lugares e ambos os lugares estavam interessados em me contratar. O primeiro cheirava a trabalho, por isso fiquei com o segundo.
Assim lá estava eu, com minha máquina de fita adesiva, trabalhando numa loja de produtos para arte e pintura. Era uma barbada. Somente uma ou duas horas de trabalho por dia. Eu ouvia rádio, construí um pequeno escritório de madeira compensada, pus uma velha escrivaninha lá, o telefone, e ficava sentado lendo o Programa das Corridas. Por vezes me entediava e saía pela ruela até uma cafeteria e me sentava lá, bebendo café, comendo torta e flertando com as garçonetes.
Os motoristas dos caminhões entravam:
Onde está o Chinaski?
Lá na cafeteria.
Eles iam até lá, tomavam um café, e depois subíamos pela ruela e trabalhávamos um pouco, tirávamos algumas caixas de papelão do caminhão ou jogávamos algumas para dentro. Alguma coisa a ver com uma conta de frete.
Não me despediriam. Até os vendedores gostavam de mim. Eles roubavam o chefe por baixo dos panos, mas eu não dizia nada. Era o joguinho deles e eu não dava a mínima. Meu negócio não era coisa pequena. Eu queria o mundo ou nada.

6

Lá estava a morte naquele lugar na colina. Eu soube no primeiro dia em que saí pela porta de tela e fui até o quintal. Um zumbido agudo e perturbador veio direto até mim: dez mil moscas se ergueram no ar no mesmo instante. Todos os quintais tinham essas moscas — havia essa grama verde e alta e elas faziam seus ninhos ali, adoravam o lugar.
Ah, Jesus Cristo, pensei, e nem sequer uma aranha num raio de dez quilômetros!
Enquanto eu ficava ali, as dez mil moscas começaram a baixar novamente do céu, instalando-se na grama, ao longo da cerca, no chão, nos meus cabelos, sobre os meus braços, em toda parte. Uma das graúdas me picou.
Amaldiçoei-a, corri e comprei o maior inseticida que alguém já viu. Lutei contra elas durante horas, enfurecidos que estávamos, as moscas e eu, e, horas depois, tossindo e enjoado de respirar o inseticida, olhei em volta e havia tantas moscas quanto antes. Parecia que, para cada uma que eu matava, brotavam duas da grama. Desisti.
O quarto tinha uma espécie de divisória ao redor da cama. Havia vasos, e dentro dos vasos, gerânios. Quando fui para cama com Joyce pela primeira vez e estávamos em plena atividade, notei que as tábuas começaram a tremer e a balançar.
Então, plof!
Ah, não! — eu disse.
O que houve agora? — perguntou Joyce. — Não pare! Não pare!
Baby, um vaso de gerânios acabou de cair sobre a minha bunda.
Não pare! Vá em frente!
Tudo bem, tudo bem!
Voltei a meter, estava indo bastante bem, quando...
Ah, merda!
O que houve? O que houve?
Outro vaso de gerânios, baby, me atingiu bem na lombar, rolou pela minha bunda e caiu.
Que se fodam os gerânios! Continue! Continue!
Ah, tudo bem...
Durante toda a função, os vasos continuaram a cair sobre mim. Era como tentar trepar durante um ataque aéreo. Finalmente consegui.
Mais tarde eu disse:
Olhe, baby, precisamos fazer alguma coisa em relação a esses gerânios.
Não, as flores ficam aí mesmo.
Por quê, baby, por quê?
Dão uma incrementada no quarto.
Incrementada?
Sim.
Ela apenas deu uma risadinha. Mas os vasos seguiram ali em cima. Por boa parte do tempo.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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