4
Então
Joyce quis voltar para a cidade. Com todas as vantagens e
desvantagens, aquela cidadezinha, com ou sem cortes de cabelo, era
melhor do que a cidade grande. Era tranquila. Tínhamos nossa própria
casa. Joyce me alimentava bem. Muita carne. Carne saborosa, boa, bem
preparada. Deixe-me dizer uma coisa sobre essa vadia: ela sabia
cozinhar. Cozinhava melhor do que qualquer mulher que já conheci. A
comida é boa para o espírito e para os nervos. A coragem vem da
barriga — tudo mais é desespero.
Mas
não, ela queria partir. A avó estava sempre em cima dela, e isso a
deixava maluca. Quanto a mim, preferiria seguir bancando o vilão. Eu
tinha feito o primo dela, o valentão da cidade, baixar a bola.
Ninguém tinha feito isso antes. No dia da calça de brim, todo mundo
na cidadezinha era obrigado a usar calça jeans, se não quisesse ser
jogado no lago. Vesti meu único terno e gravata e, vagarosamente,
como Billy the Kid, sentindo que todos os olhos estavam sobre mim,
atravessei sem pressa a cidade, olhando para dentro das casas,
parando para uns charutos. Parti aquela cidadezinha em duas como a um
palito de fósforo.
Mais
tarde, encontrei o médico da cidade na rua. Gostava dele. Estava
sempre sob o efeito de drogas. Eu não era um sujeito ligado em
drogas, mas no caso de precisar me esconder de mim mesmo por alguns
dias, sabia ser possível conseguir com ele qualquer coisa que eu
quisesse.
— Vamos
ter que ir embora — eu lhe disse.
— Você
devia ficar por aqui — ele disse —, é uma vida mansa. Há muita
caça, muita pescaria. O ar é bom. E não há pressão. Você é o
dono desta cidade.
— Sei
disso, doutor, mas lá em casa é ela que fala grosso.
5
Então
o vovô preencheu um cheque graúdo para Joyce, e lá fomos nós.
Alugamos uma pequena casa numa colina, e logo Joyce começou a me
aplicar uma baboseira moralista:
— Nós
dois precisamos de um emprego, para provar a eles que não estamos
atrás do dinheiro da família. Para provar a eles que somos
autossuficientes.
— Baby,
isso é coisa de pré-primário. Qualquer cretino pode dar um jeito
de arrumar um emprego; um homem sábio, no entanto, consegue se virar
sem trabalhar. Aqui chamamos isso de “trapacear”. Gostaria de ser
um bom “trapaceiro”.
Ela
não quis saber.
Então
expliquei a ela que um homem não podia encontrar emprego se não
tivesse um carro para andar por aí. Joyce foi ao telefone e o avô
mandou o dinheiro. A próxima de que me lembro é de estar sentando
num Plymouth novo. Ela me mandava para a rua vestindo um terno novo e
vistoso, sapatos de quarenta dólares, e eu pensava, foda-se, vou
tentar fazer isso render o quanto der. Despachante, eis o que eu era.
Quando você não sabia fazer nada, é isso que você se torna: um
despachante, um recepcionista, um garoto de estoque. Dei uma olhada
em dois anúncios, fui a dois lugares e ambos os lugares estavam
interessados em me contratar. O primeiro cheirava a trabalho, por
isso fiquei com o segundo.
Assim
lá estava eu, com minha máquina de fita adesiva, trabalhando numa
loja de produtos para arte e pintura. Era uma barbada. Somente uma ou
duas horas de trabalho por dia. Eu ouvia rádio, construí um pequeno
escritório de madeira compensada, pus uma velha escrivaninha lá, o
telefone, e ficava sentado lendo o Programa das Corridas. Por vezes
me entediava e saía pela ruela até uma cafeteria e me sentava lá,
bebendo café, comendo torta e flertando com as garçonetes.
Os
motoristas dos caminhões entravam:
— Onde
está o Chinaski?
— Lá
na cafeteria.
Eles
iam até lá, tomavam um café, e depois subíamos pela ruela e
trabalhávamos um pouco, tirávamos algumas caixas de papelão do
caminhão ou jogávamos algumas para dentro. Alguma coisa a ver com
uma conta de frete.
Não
me despediriam. Até os vendedores gostavam de mim. Eles roubavam o
chefe por baixo dos panos, mas eu não dizia nada. Era o joguinho
deles e eu não dava a mínima. Meu negócio não era coisa pequena.
Eu queria o mundo ou nada.
6
Lá
estava a morte naquele lugar na colina. Eu soube no primeiro dia em
que saí pela porta de tela e fui até o quintal. Um zumbido agudo e
perturbador veio direto até mim: dez mil moscas se ergueram no ar no
mesmo instante. Todos os quintais tinham essas moscas — havia essa
grama verde e alta e elas faziam seus ninhos ali, adoravam o lugar.
Ah,
Jesus Cristo, pensei, e nem sequer uma aranha num raio de dez
quilômetros!
Enquanto
eu ficava ali, as dez mil moscas começaram a baixar novamente do
céu, instalando-se na grama, ao longo da cerca, no chão, nos meus
cabelos, sobre os meus braços, em toda parte. Uma das graúdas me
picou.
Amaldiçoei-a,
corri e comprei o maior inseticida que alguém já viu. Lutei contra
elas durante horas, enfurecidos que estávamos, as moscas e eu, e,
horas depois, tossindo e enjoado de respirar o inseticida, olhei em
volta e havia tantas moscas quanto antes. Parecia que, para cada uma
que eu matava, brotavam duas da grama. Desisti.
O
quarto tinha uma espécie de divisória ao redor da cama. Havia
vasos, e dentro dos vasos, gerânios. Quando fui para cama com Joyce
pela primeira vez e estávamos em plena atividade, notei que as
tábuas começaram a tremer e a balançar.
Então,
plof!
— Ah,
não! — eu disse.
— O
que houve agora? — perguntou Joyce. — Não pare! Não pare!
— Baby,
um vaso de gerânios acabou de cair sobre a minha bunda.
— Não
pare! Vá em frente!
— Tudo
bem, tudo bem!
Voltei
a meter, estava indo bastante bem, quando...
— Ah,
merda!
— O
que houve? O que houve?
— Outro
vaso de gerânios, baby, me atingiu bem na lombar, rolou pela minha
bunda e caiu.
— Que
se fodam os gerânios! Continue! Continue!
— Ah,
tudo bem...
Durante
toda a função, os vasos continuaram a cair sobre mim. Era como
tentar trepar durante um ataque aéreo. Finalmente consegui.
Mais
tarde eu disse:
— Olhe,
baby, precisamos fazer alguma coisa em relação a esses gerânios.
— Não,
as flores ficam aí mesmo.
— Por
quê, baby, por quê?
— Dão
uma incrementada no quarto.
— Incrementada?
— Sim.
Ela
apenas deu uma risadinha. Mas os vasos seguiram ali em cima. Por boa
parte do tempo.
Charles Bukowski, in Cartas na Rua
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