quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Bem-vindo a nossa aldeia


Prezado sr. Yoshihito Sugitani,

Sinto-me emocionado e com certo peso na consciência por ter feito o senhor despender tanto do seu precioso tempo e paciência para ler toda aquela longa carta — escrita aqui e ali ao longo de dois meses e enviada em um pacote a fim de poupar dinheiro — e ainda me brindar com tantos elogios e incentivos.
O que me deixou mais profundamente emocionado foi saber que o comandante Sugitani estacionado em Pingdu durante a Guerra de Agressão Japonesa à China que mencionei em minha carta era seu pai. Assim, em nome do seu falecido pai, o senhor pede o perdão a minha tia, a minha família e à população de minha cidade natal. A sua honestidade em face da história e a sua coragem de assumir responsabilidades nos deixam profundamente tocados. Na verdade, também o senhor é uma vítima da guerra. Conforme relata em sua carta, o senhor e sua mãe viviam aterrorizados naquele período, e na miséria depois dele. Também seu pai foi uma vítima. Se não houvesse essa guerra, como o senhor disse, ele teria uma carreira promissora como cirurgião. A guerra mudou seu destino e sua natureza, transformou o salvador de vidas em matador de gente.
Li sua carta para minha tia, meu pai e muitas pessoas daqui que também viveram a guerra. Terminada a leitura, todos tinham lágrimas nos olhos e suspiravam sem parar. Quando seu pai estava em Pingdu, o senhor era uma criança de quatro ou cinco anos de idade, nada o obriga a assumir a culpa pelos crimes da geração de seu pai, mesmo assim o senhor a assume. Corajosamente, o senhor coloca esse fardo sobre seus ombros e se dispõe a redimir, com os próprios esforços, os crimes daquela geração. Embora sua atitude nos aperte o coração, sabemos que tem um valor incalculável. São atitudes como essa que mais fazem falta no mundo de hoje. Se todos pudessem refletir com tamanha lucidez sobre a história, sobre si mesmos, muito da estupidez humana poderia ser evitado.
Minha tia, meu pai e meus conterrâneos reiteram que, se quiser nos visitar outra vez, o senhor será muito bem-vindo. Minha tia promete acompanhá-lo em uma visita a Pingdu. Ela me disse ainda, em particular, que não guardou má impressão do seu estimado pai. Entre os oficiais do exército invasor, de fato houve muitos como os retratados nos filmes chineses: cruéis, brutais, desumanos. Mas também houve aqueles como seu estimado pai, de modos refinados e gentis. A avaliação que minha tia faz do seu estimado pai é a seguinte: Uma pessoa não muito má em meio a um bando de gente má.
Voltei a Gaomi no início de junho e já estou aqui há mais de um mês, nesse tempo, fiz algumas pesquisas sociais a fim de me preparar para escrever aquela peça inspirada em minha tia. Além disso, como me pediu, continuarei a relatar a história de minha tia por meio de cartas. Também atendendo a seu pedido, farei o possível para incluir, nesta carta, mais episódios da minha experiência pessoal.
Minha tia e meu pai mandam saudações ao senhor e a sua família!
Seja bem-vindo a nossa aldeia!

Girino
Gaomi, julho de 2003

Mo Yan, in As rãs

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