Chegamos
um pouco atrasados para a festa, mas ainda não havia muita gente.
Victor Norman sentava-se a algumas mesas da nossa. Depois que Sarah e
eu nos sentamos, apareceu o garçom com nosso vinho. Vinho branco.
Bem, era de graça.
Esvaziei
meu copo e fiz sinal com a cabeça, chamando o garçom para tornar a
enchê-lo.
Percebi
que Victor me observava.
O
pessoal ia chegando aos poucos. Vi o famoso ator do bronzeado
perpétuo. Soubera que ele ia a quase todas as festas de Hollywood,
em toda parte.
Sarah
me deu uma cutucada. Era Jim Serry, o velho guru da droga da década
de 60. Também ele ia a muitas festas. Parecia cansado, triste,
esgotado. Senti pena dele. Ia de mesa em mesa. Chegou à nossa. Sarah
deu um sorriso de prazer. Era uma filha dos anos 60. Apertei a mão
dele.
– Oi,
baby – eu disse.
A
casa começava a lotar rapidamente. Eu não conhecia a maioria das
pessoas. Acenava constantemente ao garçom para trazer mais vinho.
Ele terminou trazendo uma garrafa inteira, e a pôs na mesa.
– Quando
acabarem essa, trago outra.
– Obrigado,
cara...
Sarah
embrulhara um presentinho para Harry Friedman. Eu o tinha no colo.
Jon
chegou e sentou-se à nossa mesa.
– Estou
feliz por você e Sarah terem podido vir – disse. – Veja, está
enchendo, este lugar está cheio de gângsters e matadores, os
piores!
Ele
adorava aquilo. Tinha alguma imaginação. Eu o ajudava a atravessar
os dias e as noites.
Então
surgiu um sujeito de aparência muito importante. Ouvi alguns
aplausos.
Saltei
de pé com o presente de aniversário. Me aproximei dele.
– Sr.
Friedman, feliz...
Jon
correu a me agarrar por detrás. Me puxou de volta à mesa.
– Não!
Não! Esse não é Friedman! É o Fischman!
– Oh...
Sentei-me.
Notei
Victor Norman me observando. Imaginei que desistisse dentro de pouco
tempo. Quando tornei a olhar, ele ainda me encarava. Me olhava como
se não acreditasse nos próprios olhos.
– Tudo
bem, Victor – eu gritei –, e daí se eu faço cocô nas calças?
Quer fazer disso uma Guerra Mundial?
Ele
desviou o olhar.
Eu
me levantei e procurei o banheiro dos homens.
Ao
sair de lá, me perdi e entrei na cozinha. Encontrei um ajudante de
garçom fumando um cigarro. Meti a mão na carteira e puxei uma nota
de dez dólares. Coloquei-a no bolso da camisa dele.
– Não
posso aceitar, senhor.
– Por
que não?
– Não
posso.
– Todo
mundo recebe gorjetas. Por que não o ajudante de garçom? Eu sempre
quis ser um ajudante de garçom.
Afastei-me,
tornei a encontrar a sala principal e a mesa.
Quando
me sentei, Sarah se curvou para mim e sussurrou:
– Victor
Norman veio aqui quando você saiu. Disse que foi muito legal de você
não falar nada da literatura dele.
– Fui
bom, não fui, Sarah?
– Foi.
– Não
fui um bom menino?
– Foi.
Olhei
para Victor Norman, atraindo sua atenção. Fiz-lhe um aceno de
cabeça, pisquei o olho.
Nesse
momento entrava o verdadeiro Harry Friedman. Algumas pessoas se
levantaram e aplaudiram. Outras pareciam entediadas.
Friedman
sentou-se à sua mesa e serviu-se de comida. Massa. A massa correu a
roda. Harry Friedman recebeu a sua e atacou-a logo. Parecia um bom
garfo. Era largo, sem dúvida. Usava um terno velho, os sapatos
gastos. Cabeça grande, bochechudo. Enfiava a massa naquelas
bochechas. Tinha grandes olhos redondos, olhos tristes e cheios de
desconfiança. Ai, viver no mundo! Faltava um botão da camisa branca
amassada, perto da barriga, que se estufava para fora. Parecia um
bebezão que de algum modo se soltara, crescera depressa e quase se
tornara um homem. Tinha charme, mas podia ser perigoso acreditar
naquele charme – ele seria usado contra a gente. Não usava
gravata. Feliz aniversário, Harry Friedman!
Surgiu
uma jovem vestida de policial. Encaminhou-se diretamente para a mesa
dele.
– VOCÊ
ESTÁ PRESO! – gritou.
Harry
Friedman parou de comer e sorriu, os lábios molhados de massa.
A
policial tirou o casaco e a blusa. Tinha seios enormes. Balançou-os
debaixo do nariz de Harry Friedman.
– VOCÊ
ESTÁ PRESO – gritou.
Todo
mundo aplaudiu. Não sei por quê.
Friedman
fez sinal à policial para que se abaixasse. Ela se abaixou e ele
sussurrou-lhe alguma coisa no ouvido. Ninguém soube o que era.
Me
leve pra sua casa. Vamos ver o que acontece?
Esqueceu
seu cassetete. Cuido disso? Você vem me ver. Te levo no cinema?
A
policial tornou a vestir a blusa, o casaco, e se mandou.
As
pessoas aproximavam-se da mesa de Friedman e diziam-lhe coisinhas.
Ele as olhava como se não soubesse quem eram. Em breve acabara de
comer e bebia vinho. Manejava bem o vinho. Gostei disso.
Realmente
tinha um fraco por vinho. Depois de algum tempo, saiu de mesa em
mesa, curvando-se, falando com as pessoas.
– Nossa
– eu disse a Sarah –, veja só aquilo!
– Quê?
– Ele
está com um pedaço de massa num dos cantos da boca e ninguém lhe
diz nada. Está ali pendurado!
– Estou
vendo! Estou vendo! – disse Jon.
Harry
Friedman continuava indo de mesa em mesa, curvando-se, falando.
Ninguém o avisava.
Finalmente,
ele se aproximou. Estava mais ou menos a uma mesa da nossa quando eu
me levantei e me aproximei dele.
– Sr.
Friedman – disse.
Ele
me olhou com aquele rosto de bebê monstruoso.
– Sim?
– Fique
parado.
Estendi
a mão, peguei o fiapo de massa e puxei. A coisa se soltou.
– O
senhor estava andando por aí com isso pendurado. Eu não aguentava
mais.
– Obrigado
– ele disse.
Voltei
pra minha mesa.
– Bem,
bem – perguntou Jon –, que acha dele?
– Acho
ele um encanto.
– Eu
te disse. Não conheci ninguém como ele depois de Lido Mamin...
– De
qualquer modo – disse Sarah –, foi bacana da sua parte tirar a
massa da cara dele, já que ninguém mais tinha coragem de fazer
isso. Foi muito bacana.
– Obrigado,
eu sou um cara muito bacana, na verdade.
– Oh,
é? Que mais fez você de bacana ultimamente?
Nossa
garrafa de vinho estava vazia. Chamei o garçom. Ele franziu o cenho
para mim e adiantou-se com outra garrafa.
E
não consegui pensar em nada bacana que tivesse feito. Ultimamente.
Charles Bukowski, in Hollywood
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