No
palco passam pessoas com olhar desolado, com os figurinos mais
diversos. J. P. Finch, um jovem executivo dos anos 1960, entra em
cena, de gravata-borboleta e gomalina no cabelo. Ele está bastante
perdido.
HOMEM
NA LUA Você por aqui?
FINCH
Onde é aqui?
HOMEM
NA LUA Aqui é o lugar onde os personagens ficam quando não estão
sendo interpretados no teatro.
FINCH
Tá cheio, né?
HOMEM
NA LUA Hoje é segunda. Muito pouca peça em cartaz. Precisa ver isso
aqui no sábado. Fica um tédio.
FINCH
Como é que você sabe disso tudo?
HOMEM
NA LUA Eu morei aqui por catorze anos. Fui inventado pra um ator
específico, em 1998. Esse cara fez meu papel durante um ano e pouco.
Aí ele foi ser outros caras. Foi só catorze anos depois que outro
cara fez meu papel de novo. O mesmo cara que é você, atualmente.
FINCH
Ele é nós dois ao mesmo tempo? Que cara promíscuo.
HOMEM
NA LUA Muito. Ele é você de quinta a domingo. E eu às terças e
quartas. E não duvido nada que na segunda ele seja outro cara.
FINCH
Então eu vou ficar aqui toda segunda, terça e quarta?
HOMEM
NA LUA Eu acho difícil. Porque a sua peça é famosa no mundo
inteiro, tem sempre alguém sendo você em algum lugar do mundo. Esse
seu povo da Broadway nunca vem pra cá. Tá sempre sendo montado em
algum lugar.
FINCH
Em compensação, deve ter gente que não sai daqui, né?
HOMEM
NA LUA Nem fala. Aquele velho ali chama Vovô Pimpolhão e foi
escrito pra uma peça infantil de 1957, nunca remontada.
FINCH
Por que é que ninguém te remontou, nesses catorze anos que você
passou aqui?
HOMEM
NA LUA Meu autor é meio chato, não gosta de me emprestar por aí.
FINCH
Como você se chama?
HOMEM
NA LUA Pergunta complicada.
FINCH
Por quê?
HOMEM
NA LUA Porque eu não tenho nome.
FINCH
É figurante?
HOMEM
NA LUA Protagonista. Mas protagonista de monólogo.
FINCH
O que é que um monólogo tem a ver com você não ter nome?
HOMEM
NA LUA Ninguém me chama na peça, então não dá pra saber meu
nome.
FINCH
Eu não tenho esse problema. Tem muita gente trabalhando na
Rebimboca. Falam meu nome o tempo inteiro. Até em música.
HOMEM
NA LUA Eu também tenho música. Mas não fala o meu nome. Só da
Berenice.
FINCH
Berenice?
HOMEM
NA LUA É, a mulher que me deixou. A peça é sobre isso.
FINCH
Isso dá assunto pra peça?
HOMEM
NA LUA Pra muitas peças.
FINCH
Não sabia. Eu não costumo ir ao teatro.
HOMEM
NA LUA Eu também não. Mas eu escrevo teatro. Ou melhor, deveria
escrever. Se não fosse a Berenice que desde que saiu da minha vida
não sai da minha cabeça.
FINCH
Antes dela existir na sua vida você escrevia?
HOMEM
NA LUA Não. Mas depois ficou pior. Não consigo trabalhar porque só
penso nela.
FINCH
Eu não consigo pensar em ninguém porque tô sempre trabalhando.
HOMEM
NA LUA A gente tem muito a aprender.
FINCH
Também acho. Essas segundas-feiras vão ser divertidas.
VOVÔ
PIMPOLHÃO Aceitam jogar uma biriba?
Gregório Duvivier, in Put some farofa
Nenhum comentário:
Postar um comentário