Certo
dia, meses depois, entrou Lobo Neves em casa, dizendo que iria talvez
ocupar uma presidência de província.
Olhei
para Virgília, que empalideceu; ele, que a viu empalidecer,
perguntou-lhe:
– A
modo que não gostaste, Virgília?
Virgília
abanou a cabeça.
– Não
me agrada muito, foi a sua resposta.
Não
se disse mais nada; mas de noite o Lobo Neves insistiu no projeto, um
pouco mais resolutamente do que de tarde; e dois dias depois declarou
à mulher que a presidência era coisa definitiva. Virgília não
pôde dissimular a repugnância que isto lhe causava. O marido
respondia a tudo com as necessidades políticas. E acrescentava:
– Não
posso recusar o que me pedem; é até conveniência nossa, do nosso
futuro, dos teus brasões, meu amor, porque eu prometi que serias
marquesa, e nem baronesa estás.
Dirás
que sou ambicioso? Sou-o deveras, mas é preciso que me não ponhas
um peso nas asas da ambição.
Virgília
ficou desorientada. No dia seguinte achei-a triste, na casa da
Gamboa, à minha espera; tinha dito tudo a Dona Plácida, que buscava
consolá-la como podia. Não fiquei menos abatido.
– Você
há de ir conosco, disse-me Virgília.
– Está
doida? Seria uma insensatez.
– Mas
então...?
– Então,
é preciso desfazer o projeto.
– É
impossível.
– Já
aceitou?
– Parece
que sim.
Levantei-me,
atirei o chapéu a uma cadeira, e entrei a passear de um lado para
outro, sem saber o que faria. Cogitei largamente, e não achei nada.
Enfim, cheguei-me a Virgília, que estava sentada, e travei-lhe da
mão; Dona Plácida foi à janela.
– Nesta
pequenina mão está toda a minha existência, disse eu; você é
responsável por ela; faça o que lhe parecer.
Virgília
teve um gesto aflitivo; eu fui encostar-me ao consolo fronteiro.
Decorreram alguns instantes de silêncio; ouvíamos somente o latir
de um cão, e não sei se o rumor da água que morria na praia. Vendo
que não falava, olhei para ela.
Virgília
tinha os olhos no chão, parados, sem luz, as mãos deixadas sobre os
joelhos, com os dedos cruzados, na atitude de suprema desesperança.
Noutra ocasião, por diferente motivo, é certo que eu me lançaria
aos pés dela, e a ampararia com a minha razão e a minha ternura;
agora, porém, era preciso compeli-la ao esforço de si mesma, ao
sacrifício à responsabilidade da nossa vida comum, e
conseguintemente desampará-la, deixá-la, e sair; foi o que fiz.
– Repito,
a minha felicidade está nas tuas mãos, disse eu.
Virgília
quis agarrar-me, mas eu já estava fora da porta.
Cheguei
a ouvir um prorromper de lágrimas, e digo-lhes que estive a ponto de
voltar, para as enxugar com um beijo; mas subjuguei-me e saí.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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