Homem
e mulher se conhecem numa sala de espera de médico. Ela grávida,
ele esperando a mulher, que se consulta com o médico. Ele oferece a
Caras que estava folheando:
— Quer
dar uma olhada?
Ela:
— Acho
que essa eu já vi. É nova?
Ele,
depois de consultar a data da revista:
— Bom,
é deste século...
Os
dois riem. E se apaixonam.
*
* *
Dessas
coisas. Destino, química... Quem explica essas coisas?
Apaixonam-se,
pronto. Mas não caem nos braços um do outro.
Mesmo
porque a barriga dela, de sete meses, não permitiria. Ficam apenas
se olhando, atônitos com o que aconteceu. Pois junto com o amor
súbito vem a certeza da sua impossibilidade. Como uma ferida fazendo
casca em segundos. E como nenhum dos dois é um monstro de
frivolidade, e como a vida não é uma comédia romântica, é uma
coisa muito séria, e como eles não podem largar tudo e fugir,
trocam informações rápidas, para pelo menos ter mais o que lembrar
quando lembrarem aquele momento sem nenhum futuro, aquela quase
loucura. Sim, é o primeiro filho dela. Menino. E a mulher dele? Está
consultando o médico porque a gestação complicou, o parto talvez
precise ser prematuro. Também é o primeiro filho deles. Filha.
Menina. Que mais? Que mais? Não há tempo para biografias completas.
Gostos, endereços, telefones, nada. A mulher dele sai do
consultório. Ele tem que ir embora. Dá um jeito de voltar sozinho e
perguntar o nome dela. Maria Alice. E o dele? Rogério! Rogério! E
sai correndo, para nunca mais se encontrarem.
*
* *
Mas
se encontram. Três anos depois, na sala de espera de um pediatra.
Ela
chega com uma criança no colo. Ele está lendo uma revista. Talvez a
mesma Caras. Os dois se reconhecem instantaneamente. Ele pega a
mãozinha da criança. Pergunta o nome. É João Carlos. Caquinho.
— Ele
está com algum...
— Não,
não. Consulta normal. Ele é saudável até demais. E a de vocês? O
parto, afinal...
— Foi
bem, foi bem. Ela está ótima. Chama-se Gabriela. Só veio fazer um
checape. Eu não posso ficar lá dentro porque fico nervoso.
E
declara que não houve dia em que não pensasse nela, e no que
poderia ter sido se tivessem saído juntos daquele consultório, anos
atrás, e seguido seus instintos, e feito aquela loucura. E ela
confessa que também pensou muito nele e no que poderia ter sido. E
ele está prestes a pedir um telefone, um endereço, um sobrenome
para procurar no guia, quando a mulher sai do consultório com a
filha deles no colo e ele precisa ir atrás, e só o que consegue é
um olhar de despedida, um triste olhar de nunca mais.
*
* *
Mas
se encontram outra vez. Dois anos depois, na sala de espera de um
pronto-socorro. Ele com a mulher, ela com o marido. Ele leva um susto
ao vê-la. O que houve? É o Caquinho. O cretino conseguiu prender a
língua numa lata de Coca. Ele se emociona. A mulher dele não
entende. De onde o marido conhece aquele Caquinho? E aquela mulher?
Ela está perguntando se aconteceu alguma coisa com a Gabriela. Não
foi nada, Gabriela só bateu com a cabeça na borda da piscina e está
levando alguns pontos. E nem a mulher dele nem o marido dela entendem
por que, ao chegar a notícia de que o Caquinho só ficará com a
língua um pouco inchada, os dois se abraçam daquela maneira, tão
comovidos.
Depois,
em casa, ele se explica:
— Solidariedade
humana, pô.
*
* *
A
história não precisa terminar aí. Rogério e Maria Alice podem
continuar se encontrando, de tempos em tempos, em salas de espera
(dentistas, traumatologistas, psicólogos especializados em problemas
de adolescentes etc), até um dia ela sair do quarto de hospital onde
está o Caquinho, que teve um acidente de ultraleve, e avistá-lo na
sala de espera da maternidade, e perguntar:
— A
Gabriela está tendo bebê?
E
ele fazer que sim com a cabeça, com cara de para onde foram as
nossas vidas?
Luís Fernando Veríssimo, in Amor Veríssimo
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