quinta-feira, 20 de julho de 2023

A geração que só quer viver amores de cinema

Na semana passada fui surpreendida por uma amiga de infância contando que vai se casar no ano que vem. Ela namora aquele cara – que é simpático e boa pessoa – há alguns anos, mas é nítido que não há grandes indícios de paixão por ali. Eles me parecem felizes, mas transmitem uma relação um pouco morna, excessivamente tranquila.
A princípio fiquei bem preocupada. Pensei que ela estava cometendo um grande erro, que estava afundando sua vida antes dos 30 com a formalização de uma relação sem sentido. Mas andei refletindo melhor e começo a perceber que quem estava equivocada, no fundo, era eu.
Nós estabelecemos, nas últimas décadas, uma forma-padrão-ideal-jovem-romântica-contemporânea do que deve ser um relacionamento feliz, consolidada pelos amores fictícios cinematográficos e reiterada pelos amores de Instagram. É uma fórmula ousada e quase inatingível: tem que haver amor, tem que haver paixão, tem que haver tesão, tem que haver cumplicidade, tem que haver amizade, tem que haver liberdade, tem que haver parceria, tem que haver humor, tem que haver um milhão de coisas.
De certa forma, é fácil entender essa nossa reação, uma vez que muitos dos nossos avós (e até alguns dos nossos pais) entraram em casamentos de conveniência, sem sentimentos verdadeiros. Parte deles até conseguiu desenvolver o afeto e o amor ao longo dos anos. Outros não. E é exatamente desse tipo de relação que nós decidimos fugir como o diabo foge da cruz.
Mas começamos a reunir tantas exigências acerca de um relacionamento, numa espécie de tudo ou nada, que nos tornamos eternamente insatisfeitos. Sempre está faltando alguma coisa e nossa tolerância está muito perto do zero. Parece, inclusive, que precisamos ser aqueles casais impecáveis, felizes e bonitos para protagonizar belas fotos para as redes sociais. Menos do que isso é fracasso.
Por outro lado, tantas outras pessoas da nossa geração acabam por simplesmente não se relacionar por ficarem eternamente aguardando uma relação que não precise de retoques. São os dois tipos frequentes de frustração: os que não encontram relacionamentos ideais e os que não vivem amores perfeitos.
Os relacionamentos não precisam caber todos num mesmo molde. O que é preciso é que o casal esteja dançando a mesma música. Tem casal para o qual a parceria é muito mais importante do que o tesão. Tem casal para o qual o humor é muito mais importante do que a paixão. Tem casal para o qual a liberdade é muito mais importante do que a cumplicidade. Tudo pode funcionar, desde que funcione para ambos.
No fundo, é realmente meio ridículo nós ficarmos julgando os relacionamentos alheios através de critérios que são nossos. Cada história é uma história e ponto. O que é importante para mim pode não ser importante para aquela minha amiga. Não existe uma fórmula universal para isso.
E é um erro ainda maior ficarmos comparando todos esses relacionamentos com aqueles que nos vendem como superverdadeiros e que na realidade não passam de utopia, marketing ou fachada. Relacionamentos não servem para postar, comparar, idealizar. Relacionamentos servem para ser de verdade.

Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso

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