Corola
alta: que extrema superfície. Catedral de vidro superfície da
superfície, inatingível. Pelo teu talo duas vozes à terceira e à
quinta e à nona se unem em coral – crianças sábias abrem bocas
de manhã e entoam espírito, leve superfície de espírito,
superfície intocável de uma rosa.
Estendo
minha mão esquerda que é mais fraca e delicada, mão escura que
logo recolho sorrindo de pudor: não te posso tocar. Meu rude
pensamento quisera poder cantar teu entendimento de gelo e glória.
Tento
liberar-me da memória, entender-te como te vê a aurora, como te vê
uma cadeira, como te vê outra flor. (Não temas, não quero
possuir-te.)Alço-me, alço-me em direção de tua superfície que já
é perfume.
Alço-me
até atingir minha própria tona, minha própria aparência –
empalideço nessa região assustada e fina, quase alcanço tua
superfície divina... Numa queda ridícula caí.
Não
abaixo minha cabeça rosnante: quero ao menos sofrer tua vitória com
o sofrimento angélico de tua harmonia, de tua alegria. Mas dói-me o
coração grosseiro como em amor por um homem. E das mãos tão
grandes saem as palavras envergonhadas.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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