Maya
nunca viu A.J. tão ocupado. “Papai, por que tem tanta tarefa?”
“Algumas
são extracurriculares”, ele responde.
“O
que é ‘extracurricular’?”
“Se
eu fosse você, iria olhar no dicionário.”
Ler
uma lista inteira, mesmo a lista de uma editora modesta como a
Pterodactyl, é um enorme comprometimento para uma pessoa com uma
criança falante e um pequeno negócio. A cada título que termina,
envia um e-mail para Amelia, contando o que achou. Nesses e-mails,
não consegue usar o apelido “Amy”, embora tenha tido permissão.
Às vezes, quando realmente gostou de algo, liga. Se odiou, envia uma
mensagem: Não é pra mim. Da parte dela, nunca recebeu tanta atenção
de um cliente.
Não
tem outra editora pra ler?, Amelia responde.
A.J.
pensa um tempão sobre a resposta. Nenhuma com um representante de
quem eu goste tanto é o primeiro rascunho, mas decide que é
presunçoso demais para uma garota noiva de um herói americano.
Reescreve Essa lista está muito interessante.
A.J.
encomenda tantos títulos da Pterodactyl que até o chefe de Amelia
repara. “Nunca vi uma conta tão pequena quanto a Island pedir
tantos livros. Novo dono?”
“Mesmo
cara”, responde Amelia. “Mas ele mudou.”
“Bem,
você deve ter feito um estrago nele. Aquele cara não pega o que não
vende, Harvey nunca chegou perto de tudo isso.”
Por
fim, A.J. chega ao último. É uma memória encantadora sobre
maternidade, álbuns de fotos e a vida de escritora de uma poeta
canadense que ele sempre gostou. O livro tem apenas cento e cinquenta
páginas, mas leva duas semanas para terminar. Não consegue
finalizar um capítulo sem cair no sono ou ser distraído por Maya.
Quando acaba, não consegue redigir uma resposta. A escrita é
elegante o suficiente, e acha que as mulheres que frequentam a loja
podem gostar. O problema, claro, é que, assim que mandar a resposta,
terá acabado o catálogo de inverno da Pterodactyl, e não vai ter
motivo para entrar em contato com Amelia até a chegada da lista de
verão. Gosta dela, e acha possível que ela goste dele, apesar da
péssima primeira reunião. Mas… A.J. Fikry não é o tipo de cara
que acha legal tentar roubar a noiva de outro. Não acredita em “alma
gêmea”. Há zilhões de pessoas no mundo; ninguém é tão
especial. Além disso, mal conhece Amelia Loman. E se, digamos,
conseguir roubá-la e eles forem incompatíveis na cama?
Amelia
manda uma mensagem: O que foi? Não gostou?
Não
é para mim, infelizmente, ele responde. Ansioso pela lista de verão
da Pterodactyl. Atenciosamente, A.J.
Amelia
acha a resposta formal demais, desdenhosa. Pensa em ligar, mas não
liga. Manda uma mensagem: Enquanto espera devia assistir a TRUE
BLOOD. True Blood é o seriado preferido de Amelia. Virou uma piada
interna que A.J. iria gostar de vampiros se assistisse ao programa.
Amelia se identifica com a Sookie Stackhouse.
Não
vai rolar, Amy. Te vejo em março.
Março
está a quatro meses e meio de distância. Até lá, A.J. acha que
sua paixonite já vai ter passado ou ao menos entrado em uma
dormência tolerável.
Março
está a quatro meses e meio de distância.
Maya
pergunta o que foi, e ele conta que está triste, pois vai ficar um
tempo ser ver uma amiga.
“A
Amelia?”, pergunta Maya.
“Como
você sabe?”
Maya
revira os olhos, e A.J. se pergunta quando e onde ela aprendeu esse
gesto.
Lambiase
recebe o Clube do Livro Escolhido do Delegado na loja aquela noite
(escolha: Los Angeles: Cidade proibida), depois, como já é a
tradição, divide uma garrafa com A.J.
“Acho
que conheci uma pessoa”, A.J. diz depois de a taça lhe ter
amolecido.
“Que
bom”, diz Lambiase.
“O
problema é que ela está noiva.”
“Timing
ruim”, proclama Lambiase. “Sou policial há vinte anos e vou te
contar, quase tudo de ruim na vida é resultado de timing ruim, e
tudo de bom é timing bom.”
“Isso
me parece reducionista demais.”
“Pensa.
Se o Tamerlane não tivesse sido roubado, não teria deixado a porta
aberta, e Marian Wallace não teria deixado o bebê na loja. Isso aí
foi um bom timing.”
“Verdade.
Mas eu conheci Amelia há quatro anos”, argumenta A.J. “Eu só
não me dei ao trabalho de reparar nela até dois meses atrás.”
“Ainda
assim, timing ruim. Sua mulher tinha acabado de falecer. E depois
você teve a Maya.”
“Não
serve de consolo”, A.J. fala.
“Mas,
ei, é bom saber que seu coração ainda funciona, certo? Quer que eu
arrume alguém pra você?”
A.J.
balança a cabeça.
“Qual
é”, Lambiase insiste. “Conheço todo mundo nessa cidade.”
“Infelizmente,
é uma cidade muito pequena.”
Como
aquecimento, Lambiase arranja um encontro para A.J. com uma prima
sua. O cabelo da prima é loiro com raízes escuras, tem sobrancelhas
tiradas demais, um rosto em formato de coração e uma voz aguda como
a do Michael Jackson. Ela veste uma blusa decotada e um sutiã
push-up, que ergue uma pequena e deprimente prateleira onde
pousa um pingente com seu nome. Seu nome é Maria. No meio do
aperitivo de muçarela, a conversa acaba.
“Qual
seu livro preferido?”, ele tenta arrancar dela.
Ela
mastiga o pão coberto de muçarela e aperta o colar de Maria como se
fosse um rosário. “Isso é um tipo de teste, né?”
“Não,
não tem resposta errada”, diz A.J. “Só tô curioso.”
Ela
dá um gole do vinho.
“Ou
poderia falar que livro mais te influenciou. Quero te conhecer
melhor.”
Ela
dá outro gole.
“Ou
que tal a última coisa que leu?”
“A
última coisa que li…” Ela franze a sobrancelha. “A última
coisa que li foi o cardápio.”
“E
a última coisa que li foi seu colar”, ele diz. “Maria.”
A
refeição segue perfeitamente cordial depois disso. Ele nunca vai
descobrir o que Maria lê.
Em
seguida, Margene, da loja, arranja um encontro com sua vizinha, uma
bombeira animada chamada Rosie. Ela tem o cabelo preto espetado, com
uma mecha azul, braços excepcionalmente musculosos, uma bela risada
e unhas curtas pintadas de vermelho com pequenas chamas cor de
laranja. Rosie é ex-campeã universitária de corrida com obstáculos
e gosta de ler sobre história de esportes, principalmente memórias
de atletas.
No
terceiro encontro, ela está no meio de uma descrição de um trecho
dramático das memórias de Jose Canseco, quando A.J. a interrompe:
“Você sabe que é tudo escrito por ghost-writer?”.
Rosie
diz que sabe e não se importa. “Esses indivíduos de alta
performance viveram ocupados com treinos. Quando teriam tempo de
aprender a escrever livros?”
“Mas
esses livros… Meu ponto é: são, basicamente, mentiras.”
Rosie
inclina a cabeça na direção de A.J. e bate na mesa com as unhas em
chamas. “Você é pedante, sabia? Sendo assim, perde muita coisa
legal.”
“Já
me falaram isso antes.”
“Tudo
sobre a vida está em memórias de esportistas”, ela diz. “Você
treina duro, alcança o sucesso, mas, no fim, seu corpo cede e fim.”
“Parece
um romance recente do Philip Roth.”
Rosie
cruza os braços. “Essa é uma das coisas que fala pra parecer
inteligente, certo? Mas, na verdade, só está querendo fazer que
outra pessoa se sinta burra.”
Na
mesma noite, na cama, depois de um sexo que mais pareceu uma arte
marcial, Rosie vira para o outro lado e fala: “Não sei se quero
sair com você de novo”.
“Desculpa
se te magoei”, ele fala ao vestir a calça. “O negócio das
memórias.”
Ela
balança a mão. “Não encana. É só o seu jeito.”
Ele
suspeita que ela tem razão. É um pedante, não serve para
relacionamentos. Vai criar sua filha, cuidar da loja, ler seus livros
e isso, decide, é mais do que o suficiente.
Gabrielle Zevin, in A vida do livreiro A. J. Fikry
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