Quando
voltamos, François Racine continuava curvado sobre sua roletinha.
Bebera, evidentemente, um bocado de vinho. Tinha o rosto afogueado e
um grande monte de fichas à sua frente. Um imenso toco de cinza
perigava cair da ponta do charuto. Caiu em cima da mesa.
– Ganhei
um milhão, quatrocentos e cinquenta mil dólares...
A
bolinha parou num número. François arrecadou as fichas:
– Já
chega... Preciso não ser guloso.
Fomos
para a sala da frente e nos sentamos. Jon foi buscar o vinho e os
copos.
– Que
vai fazer com esse dinheirão todo que ganhou? – perguntou Sarah.
– Vou
dar. Não é nada. A vida é de graça. O dinheiro não é nada.
– Dinheiro
é como sexo – eu disse. – Parece muito mais importante quando a
gente não tem...
– Você
fala como um escritor – disse François.
Jon
voltou. Abriu a primeira garrafa, serviu drinques a todos.
– Devia
vir a Paris – disse-me. – É bem visto lá. Seu país trata você
como um marginal.
– Têm
hipódromos por lá?
– Oh,
sim! – disse François.
– Ele
detesta viajar – disse Sarah – e tem hipódromos aqui...
– Nada
como em Paris – disse François. – Venha a Paris. Iremos às
corridas juntos.
– Diabos,
eu preciso escrever um argumento.
– A
gente joga nos cavalinhos, e depois escreve.
– Vou
pensar no assunto.
Jon
acendeu um charuto. Depois François pegou um novo charuto e
acendeu-o também. Os charutos eram compridos, redondos, e emitiam
chiados na ponta acesa.
– Que
Deus me guarde – disse Sarah.
– François
e eu fomos a Las Vegas ontem à noite.
– Como
se saíram? – perguntou Sarah.
François
tomou um largo gole de vinho, chupou seu charuto, soprou uma imensa e
mágica coluna de fumaça.
– Escutem,
escutem só isso. Estou ganhando cinco mil dólares, estou no
controle do mundo, seguro o Destino na mão como um isqueiro. Sei
Tudo. Sou Tudo. Ninguém me segura. Os continentes tremem. Aí, Jon
me bate no ombro. Diz: “Vamos ver Tab Jones”. “Quem é Tab
Jones?”, eu pergunto. “Esquece”, ele diz, “vamos lá ver
ele...”
François
esvaziou seu copo de vinho. Jon tornou a enchê-lo.
– Aí
passamos pra outra sala. Lá estava o Tab Jones. Ele canta. Tem a
camisa aberta, os pelos do peito aparecendo. Pelos suados. Usa uma
grande cruz de prata sobre os pelos suados. A boca é um buraco
horrível numa panqueca. Usa calças apertadas e um dildo. Agarra os
colhões e canta todas as coisas maravilhosas que pode fazer com as
mulheres. Na verdade canta mal, quer dizer, é horrível. Tudo que
pode fazer com as mulheres, mas é uma farsa, na verdade quer é
enfiar a língua no ânus de um homem. Me dá vontade de vomitar,
ouvindo o cara. E a gente ainda teve de pagar. E quando a gente paga
por um pesadelo, na verdade é um idiota. Quem é esse Tab Jones?
Pagam a esse cara milhares de dólares pra usar um dildo, agarrar o
saco e fazer as luzes brilharem na cruz. Homens bons morrem de fome
nas ruas, e lá está aquele IDIOTA... sendo ADORADO! As mulheres
gritam! Elas acham que ele é real! Aquele cara de papelão que come
merda quando sonha. Eu digo: “Jon, por favor, vamos sair daqui,
minha mente está derrapando, estou ofendido e com vontade de vomitar
em meu colo!”. “Espere”, diz ele, “talvez ele melhore.” O
cara não melhora, piora, berra mais, a camisa se abre mais, a gente
vê o umbigo dele. Uma mulher sentada perto de mim geme e enfia a mão
na calcinha. “Madame”, eu pergunto a ela, “perdeu alguma
coisa?” O botão do umbigo parece um olho morto, é nojento. Até
mesmo um pássaro se sentiria ofendido de deixar seu cocô ali. Então
o tal Tab Jones se vira e mostra o traseiro pra gente. Eu posso ver
traseiros a qualquer hora, em qualquer lugar, e nem mesmo quero, e
ali tenho de pagar DINHEIRO pra ver aquela bunda gorda e mole! Sabe,
já tive momentos difíceis, fui espancado pela polícia, por
exemplo, de graça. Bem, quase de graça. Mas olhando aquelas nádegas
estúpidas me senti pior do que quando a polícia me espancava de
graça. “Jon”, eu disse, “temos de sair, senão minha vida se
acaba!”
Jon
sorriu.
– Aí
a gente saiu. Eu só queria ver Tab Jones.
François
estava agora realmente furioso. Pequenos pontinhos brancos
formavam-se nos cantos de sua boca. Salpicos de saliva voavam quando
ele falava. A ponta do charuto encharcada.
– Tab
Jones! QUEM É ESSE TAB JONES? Que me importa esse Tab Jones? Tab
Jones é um idiota! Estou ganhando cinco mil paus, e que é que a
gente faz? Vai ver Tab Jones! Quem é esse Tab Jones? Não conheço
nenhum Tab Jones. Meu irmão não se chama Tab Jones! Nem mesmo minha
mãe! Esse Tab Jones é um idiota!
– Aí
– disse Jon – nós voltamos pra roleta.
– É
– disse François –, estou ganhando cinco mil dólares e vimos o
dildo morto cantar. Quebrou minha concentração. Quem é esse Tab
Jones? Já vi caras melhores catando cocô de gaivota! Onde estou? A
roda gira, mas é uma estranha! Pareço um bebê jogado num barril de
tarântulas! Que significam esses números? Que significam essas
cores? A bolinha branca salta e se crava em meu coração, comendo de
dentro pra fora. Não tenho chance. Minha concentração se quebrou!
Dildos desfilam, com idiotas pedindo bis! Estou tonto! Mergulho de
cabeça com um monte de fichas. Já vejo minha caveira no horrível
caixão. Quem é esse Tab Jones? Perco. Não sei onde estou. Uma vez
que se quebra a concentração, assim que a gente começa a cair, não
tem mais retorno. Sabendo que não tinha chance, joguei todas as
fichas. Fiz todas as jogadas erradas, como se o inimigo tivesse
tomado meu corpo e minha mente. E por quê? POR QUE TÍNHAMOS IDO VER
TAB JONES? Eu pergunto a vocês: QUEM É ESSA PORRA DESSE TAB JONES?
François
acabara, exausto. O charuto caiu da boca. Sarah pegou-o e o pôs num
cinzeiro. François pegou imediatamente um novo no bolso da camisa,
retirou-o do tubo prateado, lambeu e aparou, rolou, enfiou na boca,
refez-se e acendeu-o com um belo floreio. Estendeu a mão para a
garrafa, serviu a todos, empertigou-se e sorriu.
– Merda,
eu provavelmente teria perdido de qualquer jeito. Um jogador que não
tem uma desculpa não pode continuar sendo um jogador.
– Você
fala como um escritor – eu disse.
– Se
eu soubesse escrever como um, escreveria esse argumento pra você.
– Muito
obrigado.
– Quanto
ele está te pagando?
Eu
fiz um movimento no ar com a mão: resposta nebulosa.
– Eu
escrevo pra você e a gente racha no meio, certo?
– Legal.
– Não
– disse Jon –, eu vou ver a diferença.
– Tudo
bem, então – disse François –, Tab Jones escreve com o dildo.
Todos
concordamos com isso, erguemos nossos copos num brinde. Era o início
de uma boa noite.
Charles Bukowski, in Hollywood
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