segunda-feira, 13 de março de 2023

A rota do sol até as Índias

Estão os ares doces e suaves, como na primavera de Sevilha, e parece o mar um rio Guadalquivir, mas nem bem sobe a maré e se mareiam e vomitam, apinhados nos castelos de proa, os homens que sulcam, em três barquinhos remendados, o mar incógnito. Mar sem moldura. Homens, gotinhas ao vento. E se o mar não os amasse? Cai a noite sobre as caravelas. Onde os arrojará o vento? Salta a bordo um dourado, que vinha perseguindo um peixe-voador, e se multiplica o pânico. Não sente a marujada o saboroso aroma do mar um pouco picado, nem escuta a algazarra das gaivotas e dos alcatrazes que vêm do poente. No horizonte, começa o abismo? No horizonte, acaba o mar?
Olhos febris de marinheiros curtidos em mil viagens, ardentes olhos de presos arrancados dos cárceres da Andaluzia e embarcados à força: não veem os olhos esses reflexos anunciadores de ouro e prata na espuma das ondas, nem os pássaros de campo e rio que voam sem cessar sobre as naus, nem os juncos verdes e as ramagens forradas de caracóis que derivam atravessando o mangue. No fundo do abismo, arde o inferno? A que feras arrojarão os ventos alísios esses homenzinhos? Eles olham as estrelas, buscando Deus, mas o céu é tão inescrutável como este mar jamais navegado. Escutam que ruge o mar, la mare, mãe-mar, rouca voz que responde ao vento frases de condenação eterna, tambores do mistério soando lá das profundidades: se persignam e querem rezar e balbuciam: “Esta noite caímos do mundo, esta noite caímos do mundo”.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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