segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

O cadeado

As mulheres se apaixonam por motivos fúteis e os homens também, Arminda sempre ouvira dizer isso, mas estava certa de que não era o caso dela, sempre se apaixonara por algum motivo significante, não era nenhuma maluca, não obstante às vezes saísse com um homem por quem não estava entusiasmada, como ia acontecer naquele dia.
Arminda fazia mais uma viagem turística e estava hospedada num hotel. Tirou uma roupa da mala e voltou a trancá-la com o cadeado, já havia acontecido de pequenas peças como bijuterias e blusas terem desaparecido, certamente furtadas pela arrumadeira, e por isso mantinha essas roupas trancadas na sua mala, mesmo as calcinhas usadas que não tivera tempo de lavar, que enfiava numa das sacolas fornecidas pelas lojas onde fazia compras.
Nos cabides dos exíguos armários dos quartos — ela se alojava em hotéis modestos, a única maneira de poder viajar — apenas pendurava vestidos, capas, que nunca desapareciam, pois a ladrona sabia que isso seria notado e causaria uma reclamação junto à gerência. Então, naquele dia, depois de se vestir — tinha pressa estava atrasada para um encontro com um homem baixo e feio, mas ela sentia necessidade de companhia nas suas viagens —, ela, distraidamente, trancou a mala com o cadeado deixando a chave lá dentro.
Só percebeu o que fizera quando resolveu trocar a calcinha por uma de rendas que lhe trouxera sorte em outra ocasião, e ela estava disposta a ir para a cama com o homem com quem ia se encontrar, caso ele a motivasse a fazer isso, o que poderia ocorrer, ainda que Arminda não julgasse muito provável, mas havia cada vez menos homens no mundo e ela não podia desperdiçar as oportunidades que surgiam.
Aquele contratempo a deixou aflita, as mulheres se desesperam por motivos tolos, sempre ouvira isso também, mas não havia nada de leviano na sua angústia. Ligou para a portaria pedindo ajuda e um empregado do hotel subiu ao seu quarto, olhou a mala, disse que o cadeado era muito forte, com aros muito grossos, e que teria que ser aberto por um chaveiro, talvez até mesmo um ferreiro, ele não conseguiria fazer aquilo. Arminda pediu-lhe que providenciasse alguém imediatamente para realizar esse trabalho e o empregado respondeu que como era domingo teriam que esperar até segunda-feira. Certamente a sua má vontade resultara da rispidez dela, mas Arminda estava irritada, agora certa de que perdia a oportunidade de um encontro feliz, o homem talvez desistisse de esperá-la no saguão do hotel, como haviam combinado.
A calcinha que usava se tornara ainda mais sem graça, e seria capaz de diminuir o desejo do sujeito e o dela também, pois precisava se sentir atraente para gostar de fazer amor. Quanto mais bonita se imaginava naquelas ocasiões, maior era a possibilidade de seu próprio ardor ser despertado, e ela odiava se entregar sem ter a consciência desse anseio, tinha a sensação de que o homem não teria vontade de possuí-la. Quando Arminda não se achava desejável, sempre provocava no parceiro uma triste frouxidão da carne que exigia dela um esforço que era frustrante e cansativo, provavelmente também para o homem. Não, não poderia ir ao encontro com aquela calcinha, os homens não gostam que a nudez feminina se revele instantânea, por isso adoram ir a esses inferninhos onde as mulheres se desnudam dançando lentamente, eles gostam de ver as peças íntimas das mulheres, pelo menos era isso que lia nas revistas que assinava, o que devia ser verdade, do contrário não haveria tantas lojas e anúncios com essa variedade infinita de lingerie, não obstante, em sua experiência, não tão vasta assim, houvesse certos homens que nem mesmo olhavam para o que ela usava sob o vestido quando se despia. Mas Arminda não podia ter certeza de que o homem com quem ia se encontrar fosse desse tipo.
Sem saber o que fazer, saiu do quarto e, angustiada desatenta, deu um esbarrão num sujeito que passava no corredor carregando uma pasta de papelão cheia de papéis que se espalharam pelo chão.
Arminda se desculpou, explicou que estava nervosa porque havia trancado a chave do cadeado dentro da mala.
O homem, enquanto apanhava as folhas no chão, olhou para Arminda como se não tivesse entendido as suas palavras, e ela prosseguiu explicando que não podia abrir a mala, tinha um encontro importante e as roupas dela estavam todas lá dentro, só na segunda-feira um chaveiro estaria disponível para abrir o cadeado.
O homem perguntou, posso dar uma olhada?
Era um estranho, de rosto comum e um pouco barrigudo, mas aquela pasta cheia de papéis com números e letras lhe atribuía uma certa confiabilidade.
Arminda respondeu que sim, que lhe mostraria o cadeado.
Abriu a porta do quarto para que o homem entrasse.
Ele se acocorou ao lado da mala e examinou o cadeado.
Boa fechadura, aço dos mais resistentes, disse, e Arminda concluiu que ele logo em seguida lhe diria que era melhor esperar a chegada do chaveiro no dia seguinte e arrependeu-se de ter aceitado a ajuda daquele sujeito.
Ele mais uma vez olhou cuidadosamente o cadeado, abriu a sua pasta de papelão e tirou um clipe que prendia um maço de papéis. Sentou-se ao lado da mala e enfiou a ponta do clipe na fechadura do cadeado.
Não adianta, disse Arminda, esse cadeado é muito bom, comprei o melhor que havia, viajo muito e roubam as minhas roupas, muito obrigada pela sua boa vontade, eu tenho que sair.
Por favor, o homem disse, preciso de silêncio. Curvando-se para aproximar o ouvido do cadeado, começou a mexer lentamente com a ponta de metal do clipe no buraco da fechadura.
Arminda sentou-se desanimada, o mundo estava cheio de bobalhões e ali, debruçado sobre a mala, de costas para ela, havia um deles.
Mas logo o homem se levantou e virou-se para Arminda com o cadeado aberto na mão.
Da próxima vez tome mais cuidado, ele disse, pondo o cadeado sobre a mala.
Nunca mais vou fazer isso, Arminda respondeu, muito obrigada, notando então que ele era alto, bonito e nada barrigudo.
O homem pegou a sua pasta e foi embora fechando a porta do quarto, que deixara aberta o tempo todo em que estivera lá dentro.
Arminda ficou algum tempo paralisada olhando a porta, mas em seguida, num impulso, saiu do quarto correndo, aquele era o homem da sua vida, ela não sabia bem por que, talvez por ter aberto o cadeado com um clipe de papel ou por qualquer outro motivo, o certo é que não podia perdê-lo.
O corredor estava vazio, a luz indicadora do painel mostrava que o elevador descia com a sua paixão lá dentro. Arminda precipitou-se correndo pelas escadas, eram apenas três andares, talvez chegasse ao térreo junto com ele.
Mas o elevador já havia chegado e não havia ninguém no saguão.

Rubem Fonseca, in Pequenas Criaturas

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