— Alô,
Mestre! Não repare se entrei sem me anunciar. Vi a porta aberta, e,
como sabe, a juventude tem pressa.
— Está-se
vendo. Posso saber por que motivo o encontro a esta hora da manhã em
minha cozinha?
— Mas
está na cara: o rosto da mocidade é um espelho de seus desejos. Em
segundo lugar, o apartamento do Mestre só tem quarto e kitchenette,
e o senhor estava nesta última.
— É,
mas, de qualquer modo, a etiqueta…
— Não
vamos perder tempo com esses resíduos do século xix. O senhor já
foi moço, talvez…
— Mancebo,
sua insolência é igual à de Alfred de Vigny ao visitar
Royer-Collard, quando este não queria recebê-lo. E, ao que parece,
você não é um segundo Vigny.
— Mas
o senhor talvez seja o próprio Royer-Collard, de quem aliás nunca
ouvi falar nem bem nem mal. Posso contar com o seu voto?
— Que
voto? Não me meto em política.
— Mestre,
não pense que tem à sua frente um candidato a vereador pelo
Distrito. Minha ambição é mais pura. Sonho com a Academia, ou
melhor, a Academia me faz cócega em sonhos.
— Continue
sonhando.
— Não
posso. Meu sonho é da espécie explosiva, e exige confirmação
imediata na realidade. O Mestre será meu padrinho.
— Que
idade você tem, meu filho?
— Vinte
e dois.
— E
quando chegou do Pará?
— Há
duas semanas. Como vê, já perdi um tempo precioso. Duas semanas na
vida de um homem, na era atômica…
— Mas
não há vaga, menino.
— Como
não? Há a do Filogônio e a do Mamede.
— O
Filogônio baixou num terreiro e legou a vaga a um afilhado. Foi uma
doação solene, e temos que respeitar a vontade dos mortos, já que
ninguém respeita a dos vivos. Quanto ao Mamede, há uma combinação
de escrutínios que dará a vitória, na quinta rodada, a um
desembargador do Guaporé, candidato desde 1908. É justo.
— Quer
dizer que não posso aspirar nem a uma vitória moral?
— São
as mais difíceis, rapaz. Você está exigindo muito.
— Por
isso é que o Brasil não vai adiante. Os novos são governados pelos
velhos, e os velhos pelos mortos. E eu que tinha grandes planos para
a Academia.
— Pode-se
saber quais eram?
— Primeiro,
substituir o chá com sequilhos por uísque e salgadinhos. É uma
vergonha para as letras esse regime de donas de casa reunidas em
confeitaria.
— Insensato,
quando chegamos à Academia já renunciamos ao fígado.
— Levaríamos
a literatura ao povo, através de comícios, atos públicos,
manifestos contra o artipurismo, a invasão da Guatemala e os vícios
da burguesia.
— Espero
estar morto antes de chegar esse dia. Ofereço-lhe a minha vaga.
— Tomo
nota do oferecimento, mas vai ver que o Mestre não fala isso de
coração. Já a prometeu a outros.
— Cet
âge est sans pitié! Vocês são capazes de matar um cristão
para fazer-lhe o elogio.
— Não
exagere, Mestre, o elogio não é o nosso fraco. Posso lhe garantir
que nos detestamos cordialmente uns aos outros. Mas voltando à
vaca-fria: nenhuma esperança para as próximas vagas?
— Insofrido,
seu jeito franco merece retribuição. Saiba que as próximas vagas,
a julgar pelos eletrocardiogramas e pelas informações das
empregadas, serão abertas pelo Fredolindo, pelo Sesóstris, pelo
Janduí e pelo Cabeção. Estão prometidas a quinhentos escritores e
jornalistas, mas aposto no Fioravanti, no Pituquinha, no general
Porfírio e na Violeta.
— Mas
a Violeta não pode eleger-se. É mulher, e vive na Europa!
— Ser
mulher não é defeito insanável. O estatuto não permite, mas dá-se
um jeito. Houve um papa chamado Joana. Ela vive na Europa, mas alguns
colegas nossos também vivem. Vamos fazer uma experiência com a
Violeta, e se ela promete não escrever nada, outras escritoras terão
sua vez. Sou contra escrever.
— Protesto!
A geração de 1954, que eu represento, e que é uma geração
sacrificada, lutará nas praias, nas ruas e nas casas pela
democratização da Academia! Vocês, velhotes…
— Rua!
Carlos Drummond de Andrade, in Fala, Amendoeira
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