Minha
querida amiga: Sim, é para você mesma que estou escrevendo — você
que aquela noite disse que estava com vontade de me pedir conselhos,
mas tinha vergonha e achava que não valia a pena, e acabou me
formulando uma pergunta ingênua: — Como é que a gente faz para
esquecer uma pessoa?
E
logo depois me pediu que não pensasse nisso e esquecesse a pergunta,
dizendo que achava que tinha bebido um ou dois uísques a mais...
Sei
como você está sofrendo, e prefiro lhe responder assim pelas
páginas de uma revista — fazendo de conta que me dirijo a um
destinatário suposto.
Destinatário,
destinatária... Bonita palavra: não devia querer dizer apenas
aquele ou aquela a quem se destina uma carta, devia querer dizer
também a pessoa que é dona do destino da gente. Joana é minha
destinatária. Meu destino está em suas mãos; a ela se destinam
meus pensamentos, minhas lembranças, o que sinto e o que sou: todo
este complexo mais ou menos melancólico e todavia tão veemente de
coisas que eu nasci e me tornei.
Se
me derem para encher uma fórmula impressa ou uma ficha de hotel eu
poderei escrever assim: Procedência — Cachoeira de Itapemirim;
Destino — Joana. Pois é somente para ela que eu marcho.
No
táxi, no bonde, no avião, na rua, não interessa a direção em que
me movo, meu destino é Joana. Que importa saber que jamais chegarei
ao meu destino?
Isso
eu gostaria de lhe dizer, minha amiga, com a autoridade triste do
mais vivido e mais sofrido: amar é um ato de paciência e de
humildade; é uma longa devoção. Você me responderá que não é
nada disso; que você já chegou ao seu destinatário e foi devolvida
como se fosse uma carta com o endereço errado. Que teve alguns dias,
algumas horas de felicidade, e por isso agora sofre de maneira
insuportável.
Então
lhe aconselho a comprar um canivete bem amolado e afinar dezoito
pedacinhos de pau até ficarem bem pontudos, bem lisos, perfeitamente
torneados — e depois deixá-los a um canto. Apanhar uma folha de
papel tamanho ofício e enchê-la toda, todinha, de alto a baixo, com
o nome de seu amado, escrevendo uma letra bem bonita, de preferência
com tinta azul. Em seguida faça com essa folha um aviãozinho, e o
jogue pela janela. Observe o voo e a aterrizagem. Depois desça, vá
lá fora, apanhe o avião de papel, desdobre a folha novamente (pode
passá-la a ferro, para o serviço ficar mais perfeito e não haver
mais nenhum indício da construção aeronáutica) e volte a
dobrá-la, desta vez ao meio. Dobre outras vezes, até obter o menor
retângulo possível. Então, com o canivete, vá cortando as partes
dobradas até transformar toda a folha em minúsculos papeizinhos,
tão pequenos que o nome de seu amado não deve caber inteiro em
nenhum deles. Aí, apanhe todos aqueles pauzinhos que tinha deixado a
um canto e, com os pedacinhos de papel, faça uma fogueira com o
máximo cuidado até que restem somente cinzas. A seguir poderá
repetir a operação...
— Adianta
alguma coisa?
Por
favor, querida amiga, não me faça esta pergunta. Nada adianta coisa
alguma, a não ser o tempo; e fazer fogueirinhas é um meio tão bom
quanto qualquer outro de passar o tempo.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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