terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Para uma frase soar melhor

A editora dos livros de Bolso [Ediouro], que faz adaptações de romances para a leitura de adolescentes, distribui entre os adaptadores alguns exemplos do estilo por ela preferido. Na verdade a editora tem razão: as frases soam muito melhor. Vou dar exemplos que servirão para o estilo de qualquer pessoa que escreve, seja literatura ou não, cartas, relatórios etc.
Em vez de “uma vez consegui”, “certa vez consegui”. Não, o melhor modo de expor os exemplos é escrever a frase e, entre parênteses, anotá-la como ficaria melhor. Assim: “Uma vez consegui” (Certa vez consegui). “Prefiro morrer do que viver” (Prefiro morrer a viver). “Mas não havia árabes lá. Só havia um piquenique.” (Mas não havia árabes lá. Só um piquenique). “Pelo menos é o que eu desejo” (É o que desejo, pelo menos). “Quase pisei numa cobra bem grande” (Quase pisei sobre uma grande cobra). “Verifiquei que tudo dormia tranquilamente” (Verifiquei que tudo estava tranquilo). “Depois de comermos, deitamo-nos para fazer a sesta” (Depois de comer, deitamo-nos para a sesta). “Quem o matou, uma vez que não foi você?” (Quem o matou, já que não foi você?). “Lembre-se, você disse que não vai contar” (Lembre-se, você prometeu não contar). “Tirei o meu chapéu” (Tirei o chapéu). “Ontem eu ia para a escola, quando aconteceu...” (Ontem, indo para a escola, aconteceu...). “Cansou-se de dizer para não fazer aquilo” (Cansou-se de recomendar que não fizesse aquilo). “Você disse que não podia haver nada pior do que...” (Você afirmou que não há nada pior do que...). “E que azar que deu?” (E deu azar?). “Arranjamos tudo isto e oito dólares por cima” (Arranjamos tudo isto e oito dólares ainda por cima). “Tomara que todos os dias acontecesse com a gente” (Tomara que todos os dias nos aconteça). “Custei a acreditar” (Custou-me acreditar). “Prefiro mais o cinema que o futebol” (Prefiro cinema a futebol). “Ele só falava a respeito das coisas que dão azar” (Ele só falava de coisas que dão azar). “Para que saber quando vai haver alguma coisa boa?” (Interessa saber quando vai acontecer algo bom?). “Um muro com três metros de altura” (Um muro de três metros). “Subimos o morro. No alto descobrimos...” (Subimos o morro. Lá em cima, descobrimos...) “Pegamos todo o nosso material” (Pegamos todas as nossas coisas) (referindo-se a roupas, mantimentos etc.). “Dentro em pouco, começou a trovejar” (pouco depois, começou a trovejar). “Ele era tal qual como o irmão” (Ele era tal qual o irmão). “Deram-lhe um tiro nas costas” (Deram-lhe um tiro pelas costas). “Tínhamos feito boa caçada, não havia dúvida” (Tínhamos feito boa caçada, sem dúvida). “João recuou para trás e feriu-se” (João recuou e feriu-se).
Acho que, como exemplos, bastam. Mas que não se torne mania esse tipo de correção. Senão, em vez de escrever, a pessoa ficará preocupada em exigir frase que soe melhor.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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