A
editora dos livros de Bolso [Ediouro], que faz adaptações de
romances para a leitura de adolescentes, distribui entre os
adaptadores alguns exemplos do estilo por ela preferido. Na verdade a
editora tem razão: as frases soam muito melhor. Vou dar exemplos que
servirão para o estilo de qualquer pessoa que escreve, seja
literatura ou não, cartas, relatórios etc.
Em
vez de “uma vez consegui”, “certa vez consegui”. Não, o
melhor modo de expor os exemplos é escrever a frase e, entre
parênteses, anotá-la como ficaria melhor. Assim: “Uma vez
consegui” (Certa vez consegui). “Prefiro morrer do que viver”
(Prefiro morrer a viver). “Mas não havia árabes lá. Só havia um
piquenique.” (Mas não havia árabes lá. Só um piquenique). “Pelo
menos é o que eu desejo” (É o que desejo, pelo menos). “Quase
pisei numa cobra bem grande” (Quase pisei sobre uma grande cobra).
“Verifiquei que tudo dormia tranquilamente” (Verifiquei que tudo
estava tranquilo). “Depois de comermos, deitamo-nos para fazer a
sesta” (Depois de comer, deitamo-nos para a sesta). “Quem o
matou, uma vez que não foi você?” (Quem o matou, já que não foi
você?). “Lembre-se, você disse que não vai contar” (Lembre-se,
você prometeu não contar). “Tirei o meu chapéu” (Tirei o
chapéu). “Ontem eu ia para a escola, quando aconteceu...”
(Ontem, indo para a escola, aconteceu...). “Cansou-se de dizer para
não fazer aquilo” (Cansou-se de recomendar que não fizesse
aquilo). “Você disse que não podia haver nada pior do que...”
(Você afirmou que não há nada pior do que...). “E que azar que
deu?” (E deu azar?). “Arranjamos tudo isto e oito dólares por
cima” (Arranjamos tudo isto e oito dólares ainda por cima).
“Tomara que todos os dias acontecesse com a gente” (Tomara que
todos os dias nos aconteça). “Custei a acreditar” (Custou-me
acreditar). “Prefiro mais o cinema que o futebol” (Prefiro cinema
a futebol). “Ele só falava a respeito das coisas que dão azar”
(Ele só falava de coisas que dão azar). “Para que saber quando
vai haver alguma coisa boa?” (Interessa saber quando vai acontecer
algo bom?). “Um muro com três metros de altura” (Um muro de três
metros). “Subimos o morro. No alto descobrimos...” (Subimos o
morro. Lá em cima, descobrimos...) “Pegamos todo o nosso material”
(Pegamos todas as nossas coisas) (referindo-se a roupas, mantimentos
etc.). “Dentro em pouco, começou a trovejar” (pouco depois,
começou a trovejar). “Ele era tal qual como o irmão” (Ele era
tal qual o irmão). “Deram-lhe um tiro nas costas” (Deram-lhe um
tiro pelas costas). “Tínhamos feito boa caçada, não havia
dúvida” (Tínhamos feito boa caçada, sem dúvida). “João
recuou para trás e feriu-se” (João recuou e feriu-se).
Acho
que, como exemplos, bastam. Mas que não se torne mania esse tipo de
correção. Senão, em vez de escrever, a pessoa ficará preocupada
em exigir frase que soe melhor.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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