Quando
toquei a campainha, ele estava na sexta ou sétima cerveja, e eu fui
até a geladeira e peguei uma para mim. Depois voltei e me sentei.
Ele parecia realmente na fossa.
– Que
é que há, Max?
– Acabei
de perder uma. Ela saiu há umas duas horas.
– Não
sei o que dizer, Max.
Ele
ergueu o olhar.
– Escuta,
sei que não vai acreditar nisso, mas não como uma mulher há quatro
anos.
Dei
uma mamada na minha cerveja.
– Acredito
em você, Max. Na verdade, em nossa sociedade há um grande número
de pessoas que vão do berço à cova sem comer mulher nenhuma. Ficam
sentadas em quartinhos apertados e fazem objetos de papel laminado,
que penduram na janela, e ficam vendo o sol batendo neles, vendo eles
se virarem no vento...
– Bem,
acabo de perder uma. E ela estava bem aqui...
– Me
conta como foi.
– Bem,
a campainha tocou, e lá estava uma jovem, loura, com um vestido
branco e sapatos azuis, e ela disse: “Você é Max Miklovik?”
Respondi que era e ela disse que tinha lido minha merda e pediu para
entrar. Eu disse que sim, de fato, e deixei ela entrar e ela se
dirigiu para uma poltrona no canto e se sentou. Eu fui à cozinha,
preparei dois uísques com água, voltei, dei um a ela e fui me
sentar no sofá.
– Bonitona?
– perguntei.
– Bonitona
mesmo, e um corpão, o vestido não escondia nada. Aí ela me
perguntou: “Já leu Jerzy Kosinski?” “Li Pássaro Pintado”,
eu disse. “Um escritor horrível.” “É um escritor muito bom”,
ela disse.
Max
calou-se, pensando em Kosinski, imagino.
– E
aí, que aconteceu?
– Uma
aranha tecia uma teia acima dela. Ela deu um gritinho. Disse: “Essa
aranha fez cocô em cima de mim.”
– E
fez mesmo?
– Eu
disse a ela que as aranhas não fazem cocô. Ela disse: “Sim,
fazem, sim.” E eu disse: “Jerzy Kosinski é uma aranha”, e ela
disse: “Eu me chamo Lyn”, e eu disse “Oi, Lyn”.
– Belo
papo.
– Belo
papo. Aí ela disse: “Quero lhe dizer uma coisa.” E eu disse:
“Manda.” E ela disse: “Aprendi a tocar piano aos treze anos com
um conde de verdade. O Conde Rudolph Stauffer.” “Beba, beba”,
eu disse a ela.
– Posso
pegar outra cerveja, Max?
– Claro,
traga uma pra mim.
Quando
voltei, ele continuou.
– Ela
acabou a bebida e eu fui pegar o copo. Quando estendi a mão, me
curvei pra dar um beijo nela. Ela recuou. “Merda, que é um
beijinho?”, eu perguntei. “As aranhas se beijam.” “As aranhas
não se beijam”, ela disse. Eu não podia fazer nada senão ir
preparar mais dois drinques, um pouco mais fortes. Voltei, entreguei
a bebida a Lyn e tornei a me sentar no sofá.
– Acho
que os dois deviam estar no sofá – eu disse.
– Mas
não estávamos. E ela continuou falando. “O Conde”, disse,
“tinha uma testa alta, olhos de avelã, cabelos cor-de-rosa, longos
dedos finos, e vivia cheirando a sêmen.”
– Ah.
– Ela
disse: “Ele tinha sessenta e seis anos mas era tesudo. Ensinou
piano à minha mãe também. Minha mãe tinha trinta e cinco e eu
treze, e ele ensinou piano a nós duas.”
– Que
era que você devia responder a isso? – perguntei.
– Não
sei. Por isso disse: “Kosinski não escreve merda nenhuma.” E ela
disse: “Ele fez amor com minha mãe.” E eu disse: “Quem?
Kosinski?” E ela: “Não, o Conde.” “O Conde fodeu com você?”
perguntei. “Não, ele nunca fodeu comigo. Mas me apalpava em várias
partes, me deixava muito excitada. E tocava piano maravilhosamente.”
– Como
você reagia a isso tudo?
– Bem,
falei a ela da época em que trabalhei pra Cruz Vermelha, durante a
Segunda Guerra Mundial. A gente saía recolhendo garrafas de sangue.
Tinha uma enfermeira, cabelos negros, muito gorda, e depois do almoço
ela se deitava na grama com as pernas abertas pro meu lado. Ficava me
olhando fixo. Depois que a gente recolhia o sangue, eu levava as
garrafas para o depósito. Era frio lá dentro, e as garrafas eram
guardadas em pequenos sacos brancos, e às vezes, quando eu as
entregava à garota encarregada do quarto de depósito, uma garrafa
escorregava do saco e se quebrava no chão. POU! Sangue e vidro pra
todo lado. Mas a garota sempre dizia: “Está tudo bem, não se
preocupe com isso.” Eu achava ela muito bondosa e passei a dar
beijos nela quando entregava o sangue. Era muito legal beijar ela
dentro daquela geladeira, mas eu nunca conseguia nada com a de
cabelos pretos que se deitava na grama depois do almoço e abria as
pernas pra mim.
– Você
contou isso a ela?
– Contei.
– E
que foi que ela disse?
– Disse:
“A aranha está descendo! Está descendo pra cima de mim!” “Oh,
meu deus!”, eu disse, e peguei a Cartela de Corrida, abri e
peguei a aranha entre o terceiro páreo pra novatos de três anos em
mil e duzentos metros e o quarto páreo que tinha um prêmio de cinco
mil dólares para cavalos de quatro anos para cima em dois mil
metros. Joguei o jornal no chão e consegui dar um beijinho rápido
em Lyn. Ela não retribuiu.
– Que
foi que ela disse do beijo?
– Disse
que o pai dela era um gênio na indústria de computadores e
raramente estava em casa, mas de alguma forma descobriu sobre a mãe
e o Conde. Pegou ela um dia depois da escola e bateu com a cabeça
dela na parede, perguntando por que tinha protegido a mãe. O pai
ficou muito furioso quando descobriu a verdade. Terminou parando de
bater com a cabeça dela na parede e foi lá dentro e bateu a cabeça
da mãe contra a parede. Ela disse que foi horrível, e jamais
voltaram a ver o Conde.
– Que
foi que você disse a isso?
– Eu
disse que um dia encontrei uma mulher num bar e levei ela pra casa.
Quando ela tirou a calcinha, tinha tanto sangue e merda que eu não
consegui. Ela fedia como um poço de petróleo. Ela me massageou as
costas com azeite de oliva e eu lhe dei cinco dólares, meia garrafa
de vinho do Porto azedo, o endereço de meu melhor amigo, e mandei
embora.
– Isso
aconteceu mesmo?
– É.
Depois a Lyn me perguntou se eu gostava de T. S. Eliot. Respondi que
não. Aí ela disse: “Eu gosto do que você escreve, Max, é tão
feio e demente que me fascina. Eu me apaixonei por você. Escrevi uma
carta atrás da outra pra você, mas você jamais respondeu.”
“Desculpa, boneca”, eu disse. Ela disse: “Eu fiquei louca. Fui
pro México. Me meti em religião. Usava um xale preto e saía
cantando nas ruas às três horas da manhã. Ninguém me incomodava.
Eu tinha todos os seus livros numa maleta e bebia tequila e acendia
velas. Depois conheci um toureiro que me fez esquecer você. Isso
durou várias semanas.”
– Esses
caras arranjam muita xoxota.
– Eu
sei – disse Max. – De qualquer modo, ela disse que acabaram se
enchendo um do outro, e eu disse: “Deixa eu ser seu toureiro.” E
ela disse: Você é como todo homem. Só quer foder.” “Chupar e
foder”, eu disse. Me aproximei dela. “Me dê um beijo”, disse.
“Max”, ela disse, “você só quer brincar. Não liga pra mim.”
“Eu ligo pra mim”, respondi. “Se você não fosse um escritor
tão grande”, ela disse, “nenhuma mulher jamais sequer falaria
com você.” Vamos foder”, eu disse. “Quero que se case comigo”,
ela disse. “Eu não quero me casar com você”, eu disse. Ela
pegou a bolsa e foi embora.
– É
o fim da história? – perguntei.
– É
isso aí – disse Max. – Sem um rabo em quatro anos e perco esse.
Orgulho, estupidez, seja lá o que for.
– Você
é um bom escritor, Max, mas não é um sedutor.
– Você
acha que um bom sedutor teria dado um jeito?
– Claro.
Sabe, cada jogada dela deve ser respondida com a resposta certa. Cada
resposta certa leva o papo numa outra direção, até que o sedutor
tem a mulher acuada num canto, ou, mais adequadamente, estendida.
– Como
posso aprender?
– Não
tem aprendizado. É um instinto. Você tem de saber o que a mulher
está dizendo de fato quando diz outra coisa. Não se pode ensinar.
– Que
foi que ela disse mesmo?
– Queria
você, mas você não soube como chegar a ela. Não soube construir
uma ponte. Fracassou, Max.
– Mas
ela leu todos os meus livros. Achava que eu sabia alguma coisa.
– Agora
ela sabe alguma coisa.
– O
quê?
– Que
você é um asno burro, Max.
– Sou?
– Todos
os escritores são. É por isso que escrevem.
– Que
negócio é esse de “é por isso que escrevem”?
– Quero
dizer que eles escrevem essas coisas porque não entendem.
– Eu
escrevo muitas coisas – disse Max, triste.
– Me
lembro de que, quando era menino, li um livro de Hemingway. Um cara
vivia indo pra cama com uma mulher e não conseguia, porque amava a
mulher e ela o amava. Deus do céu, eu pensei, que livro sensacional.
Todos esses séculos, e ninguém escreveu sobre esse aspecto da
coisa. Achava que o cara era simplesmente um burro feliz demais pra
conseguir. Mais adiante, li no livro que ele tinha perdido os órgãos
genitais na guerra. Que decepção.
– Você
acha que essa garota vai voltar? – me perguntou Max. – Você
devia ter visto aquele corpo, aquele rosto, aqueles olhos.
– Não
vai voltar – eu disse, me levantando.
– Mas
que faço eu? – perguntou Max.
– Simplesmente
continue escrevendo seus pobres poemas, contos e romances...
Deixei-o
lá e desci a escada. Nada mais tinha a dizer-lhe. Eram quinze para
as oito e eu tinha um jantar. Entrei no carro e fui até o
McDonald’s, pensando que provavelmente escolheria camarão frito.
Charles Bukowski, in Numa Fria
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