Eu
tive uma namorada que via errado. O que ela
via
não era uma garça na beira do rio. O que ela
via
era um rio na beira de uma garça. Ela despraticava
as
normas. Dizia que seu avesso era mais visível
do
que um poste. Com ela as coisas tinham que mudar
de
comportamento. Aliás, a moça me contou uma vez
que
tinha encontros diários com as suas contradições.
Acho
que essa frequência nos desencontros ajudava
o
seu ver oblíquo. Falou por acréscimo que ela
não
contemplava as paisagens. Que eram as paisagens
que
a contemplavam. Chegou de ir no oculista. Não
era
um defeito físico falou o diagnóstico. Induziu
que
poderia ser uma disfunção da alma. Mas ela
falou
que a ciência não tem lógica. Porque viver
não
tem lógica – como diria a nossa Lispector.
Veja
isto: Rimbaud botou a Beleza nos joelhos e
viu
que a Beleza é amarga. Tem lógica? Também ela
quis
trocar por duas andorinhas os urubus que
avoavam
no Ocaso de seu avô. O Ocaso de seu avô
tinha
virado uma praga de urubu. Ela queria trocar
porque
as andorinhas eram amoráveis e os urubus
eram
carniceiros. Ela não tinha certeza se essa
troca
podia ser feita. O pai falou que verbalmente
podia.
Que era só despraticar as normas. Achei certo.
Manoel de Barros, in Memórias Inventadas – A segunda infância
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