Se
procuro, estou achando.
Se
acho, ainda estou procurando?
Do
Quatrêvo.
Agora
o caso não cabendo em nossa cabeça. O pai teimava que ele não
fosse João, nem não. A mãe, sim. Daí o engano e nome, no assento
de batismo. Indistinguível disso, ele viçara, sensato, vesgo, não
feio, algo gago, saudoso, semi-surdo; moço. Pai e mãe passaram,
pondo-o sozinho. A aventura é obrigatória. Deixavam ao Porém o
terreno e, ainda mais, um peru pastor e três ou duas suas peruas.
E
tanto; aquilo tudo e egiptos. Desprendado quanto ao resto, João
Porém votou-se às aves — vocação e meio de ganho. De dele
rir-se? A de criar perus, os peruzinhos mofinos, foi sempre matéria
atribulativa, que malpaga, às poucas estimas.
Não
para o João. Qual o homem e tal a tarefa: congruíam-se, como um tom
de vida, com riqueza de fundo e deveres muito recortados. Avante,
até, próspero. Tomara a gosto. O pão é que faz o cada dia.
Já
o invejavam os do lugar — o céu aberto ao público — aldeiazinha
indiscreta, mal saída da paisagem. Ali qualquer certeza seria
imprudência. Vexavam-no a vender o pequeno terreiro, próprio aos
perus vingados gordos. Porém tardava-os, com a indecisão falsa do
zarolho e o pigarro inconcusso da prudência. Tornaram; e Porém
punha convicção no tossir, prático de economias quiméricas,
tomadas as coisas em seu meio.
Desistiram
então de insistir, ou de esperar que, mais-menos dia, surgida alguma
peste, ele desse para trás. Mas lesavam-no, medianeiros, no negócio
dos perus, produzidos já aos bandos; abusavam de seu horror a
qualquer espécie de surpresas. Porém perseverava, considerando o
tempo e a arte, tão clara e constantemente o sol não cai do céu.
No fundo, coqueirais. Mas inventaram, a despautação, de espevitar o
espírito.
Incutiram-lhe,
notícia oral: que, de além-cercanias, em desfechada distância, uma
ignorada moça gostava dele. A qual sacudida e vistosa — olhos
azuis, liso o cabelo — Lindalice, no fino chamar-se. João Porém
ouviu, de sus brusco, firmes vezes; miúdo meditou. Precisava
daquilo, para sua saudade sem saber de quê, causa para ternura
intacta. Amara-a por fé — diziam, lá eles. Ou o que mais, porque
amar não é verbo; é luz lembrada. Se assim com aquela como o
tivessem cerrado noutro ar, espaço, ponto. Sonha-se é rabiscos.
Segredou seu nome à memória, acima de mil perus, extremadamente.
Embora
de lá não quisesse sair, em busca, deixando o que de lei, o remédio
de vida. — Não ia ver o amor? — instavam-no, de graça e
com cobiça. Arrendar-lhe-iam o sítio, arranjavam-lhe cavalo e
viático... Se bem pensou, melhor adiou: aficado, com recopiada
paciência, de entre os perus, como um tutor de órfãos.
Sustentava-se nisso, sem mecanismos no conformar-se, feito uma porção
de não-relógios. A moça, o amor? A esperança, talvez, sempre
cabedora. A vida é nunca e onde.
E
vem que o tiveram de louvar — sob pressão de desenvolvimento
histórico: um, dos de caminhão, da cidade, fechara com o Porém dos
perus tráfico ajuste perfeito; e a bela vez é quando a fortuna
ajuda os fracos.
Nem
se dava disso, inepto exato, cuidando e ganhando, só em
acrescentamentos, homem efetivo, já admirado, tido na conta de ouro.
Pasmavam, os outros. Pudera crer na inventada moça, tendo-a a peito?
Ágil, atentivo, sempre queria antigas novidades dela.
De
dó ou cansaço, ou por medo de absurdos, acharam já de retroceder,
desdizendo-a. Porém prestou-lhe a metade surda de seus ouvidos.
Sabia ter conta e juízo, no furtivar-se; e, o que não quer ver, é
o melhor lince. Aceitara-a, indestruía-a. Requieto, contudo, na
quietude, na inquietude. O contrário da ideia-fixa não é a ideia
solta.
— “Aconteceu
que a moça morreu...” — arrependidos tiveram então de
propor-lhe, ajuntados para o dissuadir, quase com provas. Porém
gaguejou bem — o pensamento para ele mesmo de difícil tradução:
— Esta não é a minha vez de viver... — quem sabe. Maior
entortou o olhar, sinceramente evasivo, enquanto coléricos perus
sacudiam grugulejos. Tanto acreditara? Segurava-se à falecida —
pré-anteperdida. E fechou-se-lhe a estrada em círculo.
Porém,
sem se impedir com isso, fiel à forte estreiteza, não desandava.
Infelicidade é questão de prefixo. Manejava a tristeza animal,
provisória e perturbável. Se falava, era com seus perus, e que
viver é um rasgar-se e remendar-se. Era só um homem debaixo de um
coqueiro.
Vem
que viam que ele não a esquecia, viúvo como o vento. Andava o rumo
da vida e suas aumentadas substituições. Ela não estava para trás
de suas costas. Porém, Lindalice, ele a persentia. Tratava centena
de peruzinhos em gaiolas, e outros tantos soltos, já com os pescoços
vermelhos.
Bem
que bem — e porque houvesse justo o coincidir fortuito — moveram
de o fazer avistar-se com uma mocinha, de lá, também olhos azuis,
lisos cabelos, bonita e esperta, igual à outra, a urdida e
consumida. Talvez desse certo. Pois, por sombras! Porém aqui
suspendeu suma a cabeça, só zarolhaz, guapamente — vez tudo, vez
nada — a mais não ver.
Deixaram-no,
portanto, dado às aranhas dos dias, anos, mundo passável, tempo sem
assunto. E Porém morreu; nem estudou a quem largar o terreno e a
criação. Assustou-os.
Tinham
de o rever inteiro, do curso ordinário da vida, em todas as partes
da figura — do dobrado ao singelo. João Porém, ramerrameiro,
dia-a-diário — seu nariz sem ponta, o necessário siso, a força
dos olhos caolhos — imóvel apaixonado: como a água, incolormente
obediente.
Ele
fora ali a mente mestra. Mas, com ele não aprendiam, nada. Ainda
repetiam só: — “Porém! Porém...” Os perus, também.
Guimarães Rosa, in Tutameia
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