Quando visitei Lulu pra lhe contar da doença, tinha dois quadros em sua parede, duas gravuras herdadas de casa de freiras, um para doar, O Senhor no Horto e O Bom Pastor. Me oferecia um, mas não queria escolher, eu também não. Havia decidido, seria um sinal de cura se me oferecesse O Bom Pastor, pois no Horto das Oliveiras eu já estava e queria sair, ganhá-lo significaria a morte. Falei com veemência, só aceito se for escolha sua, Lulu. O velho medo, a velha fraqueza, de não seguir o desejo. Lulu ficou tão alegre, pois lhe coube o de que mais gostava. Uma fresca torrente me inundou, animei-me a esperar o café. Nem tudo é um crocitar vaidoso, grande mão poderosa nos sustenta. O Bom Pastor pôs nos ombros sua ovelha mais fraca. Em alguns momentos somos reais.
Adélia Prado, in Quero minha mãe
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