Nosso
Prof. de latim, Mestre Aristeu, era magro
e
do Piauí. Falou que estava cansado de genitivos
dativos,
ablativos e de outras desinências. Gostaria
agora
de escrever um livro. Usaria um idioma
de
larvas incendiadas. Epa! o prof. falseou-ciciou
um
colega. Idioma de larvas incendiadas! Mestre
Aristeu
continuou: quisera uma linguagem que
obedecesse
a desordem das falas infantis do que
as
ordens gramaticais. Desfazer o normal há de
ser
uma norma. Pois eu quisera modificar nosso
idioma
com as minhas particularidades. Eu queria
só
descobrir e não descrever. O imprevisto fosse
mais
atraente do que o dejá visto. O desespero
fosse
mais atraente do que a esperança. Epa! o
prof.
desalterou de novo – outro colega nosso
denunciou.
Porque o desespero é sempre o que não
se
espera. Verbi gratia: um tropicão na pedra
ou
uma sintaxe insólita. O que eu não gosto é
de
uma palavra de tanque. Porque as palavras do
tanque
são estagnadas, estanques, acostumadas.
E
podem até pegar mofo. Quisera um idioma de larvas
incendiadas.
Palavras que fossem de fontes e não
de
tanques. E um pouco exaltado o nosso prof.
disse:
Falo de poesia, meus queridos alunos. Poesia
é
o mel das palavras! Eu sou um enxame! Epa!...
Nisso
entra o diretor do Colégio que assistira
a
aula de fora. Falou: Seo Enxame espere-me no
meu
gabinete. O senhor está ensinando bobagens
aos
nossos alunos. O nosso mestre foi saindo da
sala,
meio rindo a chorar.
Manoel de Barros, in Memórias Inventadas – A segunda infância
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