Um
dos grandes sambas-canção de Dorival Caymmi (1914-2008), “Rosa
Morena” é exemplo de concisão e precisão poética a serviço da
música. Com poucos e curtos versos, abusando da repetição, recurso
usado para realçar o balanço do samba (e da morena), ele transporta
o ouvinte para a roda na qual tenta convencer sua musa a entrar. Dá
para apostar que conseguiu. Caymmi abusa de seus dons de sedutor, tão
dengoso quanto a morena Rosa, que flana cheia de pose com uma rosa no
cabelo.
“Rosa
Morena” foi lançado em 1942 pelo grupo Anjos do Inferno, em disco
de 78 rpm do selo Columbia, que trazia no outro lado mais um samba
então inédito do compositor, o delicioso “Vatapá” (este,
segundo a definição do próprio, tratava-se de um “samba-receita”,
ou seja, uma “list song”). Dorival gravou “Rosa Morena” em
1955, no LP de 10 polegadas Sambas de Caymmi (Odeon), numa
versão que, ao valorizar o silêncio, o espaço entre as palavras,
reforçou ainda mais o gingado da música. Maestria que, desde então,
não parou de encantar intérpretes e ouvintes.
O
rigoroso João Gilberto deixou clara a sua admiração pela arte de
Caymmi, um precursor no formato de voz e violão, ao incluir “Rosa
Morena” no disco divisor de águas que foi Chega de saudade,
lançado em 1959. Anos depois, numa de suas raras entrevistas (ao
jornalista Tárik de Souza), João Gilberto contou: “Uma das
músicas que me despertaram, que me mostraram que se podia tentar uma
coisa diferente foi ‘Rosa Morena’ do Caymmi. Sentia que aquele
prolongamento de som que os cantores davam prejudicava o balanço
natural da música. Encurtando o som das frases, a letra cabia certa
dentro dos compassos e ficava flutuando. Eu podia mexer com toda a
estrutura da música sem precisar alterar nada.”
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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