Ela
era irresistível quando acordava. Tinha até um cheiro diferente,
que desaparecia no resto do dia. Um cheiro morno. Cheiro de leite
morno, era isso. Com um inexplicável toque de baunilha. Mas ela
acordava de mau humor. Quente, cheirosa, apetitosa e emburrada. Nem
deixava ele beijá-la na boca. “Eu ainda não escovei os dentes!”
E se ele tentasse beijar o seu umbigo (nozmoscada, possivelmente
canela), ela lhe dava um chute. Não eram só os cheiros. Ela
acordava fisicamente diferente. A cara maravilhosamente inchada, a
boca intumescida, como a de certas meninas do Renoir. No resto do dia
ia alongando-se, modiglianizando-se, mas de manhã era uma camponesa
compacta, com fantásticas olheiras roxas. Ele não sabia explicar.
Ela era uma mulher delgada, de pernas compridas, mas de manhã tinha
as pernas grossas. E ou ele muito se enganava ou até a bunda ela
perdia, de dia. A bunda. As nádegas redolentes. “Mmmmm... Ervas
aromáticas. Um quê de sândalo...”
— Pá-ra.
De
noite, ela insistia e o emburrado era ele. Ela tomava banho, botava
uma camisola transparente e deitava ao lado dele, toda certinha,
penteado perfeito. Ele não podia dizer que gostava mesmo era quando
ela acordava com a camisola toda torta, com uma alça enroscada nas
pernas, nas doces pernocas matinais. Ele ficava lendo, ela ficava
esperando. Cheirando a sabonete e esperando. Tentava começar uma
brincadeira, cutucando-o com o pé. Cantarolava no seu ouvido —
“Ele já não gosta mais de mim, que pena, que pee-na...” Ele
continuava lendo até que ela desistisse e dormisse. Ele não queria
nada com aquela pessoa que virava as pestanas antes de ir para a
cama. Queria era a camponesa da manha. Sonhava com a sua camponesa
irritada. A tese dela era que, antes de escovar os dentes e tomar
café, uma pessoa não é uma pessoa, é uma coisa. Pode evoluir para
uma pessoa se fizer um esforço, mas é um processo lento e difícil
que requer concentração, e exclui qualquer forma de digressão,
ainda mais sexual. Comparava o sono a um acidente ao qual a gente
sobrevive, mas leva meio dia para se recuperar. E o desejo dele de
possuí-la antes de escovar os dentes a uma tara indefensável, quase
a uma forma de necrofilia. “Sai, sai!” E levantava-se, tentando
encontrar as pontas da camisola, puxando uma alça do meio das pernas
com fúria. Quando chegava à porta do banheiro, já era uma mulher
comprida. E ele ficava cheirando o travesseiro ainda quente. Mmmm.
Baunilha, decididamente baunilha. Uma noite, ela disse:
— Eu
acho que você tem outra. Acho que você está pensando nela neste
momento. Fingindo que lê e pensando nela. Diz que não!
Ele
não disse que não. Estava pensando nela, de manhã. A sua outra, a
sua inatingível outra, a das pernocas, a da baunilha. Mas ela não
precisava se preocupar, pensou. Nunca seria enganada. A outra não
queria nada com ele.
— Apaga
a luz, apaga.
Ele
suspirou, fechou o livro, apagou a luz. Enquanto faziam amor, ele
tentava imaginar que ela era a outra. Mas o cheiro de sabonete
atrapalhava.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
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