quarta-feira, 11 de maio de 2022

Ele conserta rádios com o pensamento!

Quando eu tinha onze ou doze anos, montei em casa um laboratório com um velho caixote de madeira no qual instalei prateleiras. Eu tinha um aquecedor, colocava gordura nele e fazia batatas fritas o tempo todo. Tinha também uma bateria e um banco de lâmpadas.
Para fazer esse banco, fui a uma loja de artigos baratos e comprei várias tomadas, que aparafusei numa base de madeira e conectei com fios de campainha. Eu sabia que, fazendo diferentes combinações de interruptores — em série ou em paralelo —, podia obter diferentes voltagens. No entanto, não me dei conta de que a resistência de uma lâmpada elétrica depende de sua temperatura, de modo que os resultados de meus cálculos não coincidiam com o que saía do circuito. Mas estava tudo bem, e, quando as lâmpadas estavam acesas, brilhaaaaaaaavam, tão bonitas — era sensacional!
Instalei um fusível no sistema, de modo que, em caso de curto-circuito, apenas ele queimasse. Como precisava de um fusível mais fraco que o da casa, eu mesmo o fabriquei, enrolando papel-alumínio em torno de um fusível velho e já queimado. Antes do fusível havia uma lâmpada de cinco watts. Assim, se ele queimasse, a tensão proveniente do carregador de baixa amperagem, que carregava continuamente a bateria, acenderia essa lâmpada, alocada no quadro de distribuição atrás de um pedaço de papel-manilha pardo (ele ficava avermelhado quando a lâmpada acendia atrás dele). Desse jeito, quando alguma coisa dava errado, eu olhava para o quadro de distribuição e via uma mancha avermelhada no lugar do fusível queimado. Era divertido!
Eu gostava de rádios. Comecei com um receptor de cristal de galena que comprei na loja de ferragens e ficava ouvindo de noite na cama, antes de dormir, usando fones de ouvido. Quando mamãe e papai saíam de noite e voltavam tarde, vinham a meu quarto e tiravam os fones de meus ouvidos — eles se preocupavam com o que entrava em minha cabeça enquanto eu dormia.
Foi mais ou menos nessa época que inventei um alarme contra ladrões, muito rudimentar: não passava de uma bateria grande e uma campainha com alguma fiação. Quando a porta do meu quarto se abria, ela empurrava o fio contra a bateria, o que fechava o circuito, fazendo soar a campainha.
Um dia, papai e mamãe voltaram para casa tarde da noite e, com todo cuidado para não fazer barulho e me acordar, abriram a porta do meu quarto para tirar os fones de ouvido. De repente, a enorme campainha disparou, com um barulho ensurdecedor — BONG BONG BONG BONG BONG!!! Saltei da cama, gritando: “Funcionou! Funcionou!”
Eu tinha uma bobina Ford — uma bobina indutora de faíscas tirada de um automóvel — e instalei os terminais de faíscas no tampo de meu quadro de distribuição. Eu ligava os terminais a uma válvula eletrônica Raytheon RH, a gás hélio, e a faísca criava um brilho roxo no vácuo. Aquilo era uma beleza!
Um dia, eu estava brincando com a bobina Ford, abrindo buracos com as faíscas numa folha de papel, quando ela começou a pegar fogo. Em pouco tempo eu já não conseguia segurar a folha, porque o fogo chegava a meus dedos, e deixei-a cair num cesto metálico cheio de jornais. Como todo mundo sabe, jornal queima depressa, e a chama no quarto parecia enorme. Fechei a porta para que minha mãe, que jogava bridge com as amigas na sala, não descobrisse que havia um incêndio em meu quarto. Peguei uma revista que estava por ali e a usei para cobrir o cesto, abafando o fogo.
Depois que o fogo apagou, tirei a revista de cima do cesto, e o quarto começou a se encher de fumaça. Como o cesto ainda estava muito quente, peguei dois alicates, levantei-o e levei-o para o outro lado do quarto, segurando-o junto à janela para que a fumaceira se dissipasse.
Porém ventava lá fora, e o fogo recomeçou, agora com a revista fora de alcance. Puxei o cesto em chamas para dentro novamente a fim de pegar a revista e só então prestei atenção nas cortinas. Aquilo era muito perigoso!
Peguei a revista, apaguei o fogo de novo e, dessa vez, mantive a revista na mão enquanto sacudia as brasas para tirá-las do cesto e jogá-las na rua, dois ou três andares abaixo. Saí do quarto, fechei a porta e disse à minha mãe “Vou lá embaixo” enquanto a fumaça saía devagar pela janela.
Eu também mexia com motores elétricos e construí um amplificador para uma célula fotoelétrica que tinha comprado e que fazia uma campainha tocar quando eu punha a mão diante da célula. Eu não conseguia fazer tudo o que queria porque minha mãe passava o tempo todo me mandando sair para brincar. Mas eu dava um jeito de ficar muito tempo em casa, mexendo com meu laboratório.
Também comprava rádios em bazares beneficentes. Eu não tinha dinheiro, mas os rádios eram baratos — estavam velhos e com defeitos, e eu os comprava para tentar consertá-los. Em geral, apresentavam defeitos bobos — um fio solto, ou uma bobina cujo enrolamento estava partido ou parcialmente desfeito —, e eu conseguia fazer alguns voltarem a funcionar. Com um desses rádios, certa noite, consegui sintonizar a WACO, uma emissora de Waco, no Texas — foi muito emocionante!
Com esse mesmo receptor a válvulas consegui sintonizar, em meu laboratório, uma estação de Schenectady. Nessa época, todos nós — meus dois primos, minha irmã e as crianças da vizinhança — ouvíamos um programa chamado Clube do Crime Eno, a Eno do sal de frutas efervescente, e era o máximo! Bem, eu descobri que podia ouvir esse programa transmitido pela rádio de Schenectady uma hora antes que ele fosse ao ar em Nova York! Por isso eu sabia o que iria acontecer, e assim, quando todos estávamos reunidos no andar de baixo, em volta do rádio e ouvindo o Clube do Crime Eno, eu dizia, por exemplo: “Faz muito tempo que não ouvimos falar de fulano. Aposto que hoje ele vai aparecer para resolver a situação.”
Dois segundos depois, tchan tchan tchan tchan, ele aparecia! É claro que eles ficavam espantados com isso, e eu ainda tinha previsto outras coisas. Aí eles se deram conta de que havia alguma tramoia por trás daquilo — eu devia saber de alguma coisa, de algum jeito. Então contei o que estava acontecendo: eu ouvia o programa uma hora antes lá em cima no meu quarto.
Vocês sabem, naturalmente, qual foi o resultado. A partir de então, eles não quiseram mais esperar para ouvir o programa na hora habitual. Todos subiam para o meu laboratório e se reuniam durante meia hora em torno do meu radinho cheio de rangidos e estática para ouvir as aventuras do Clube do Crime Eno transmitidas pela estação de Schenactady.
Nesse tempo, morávamos numa casa grande deixada por meu avô aos filhos, que, além do imóvel, não tinham muito mais. Era enorme, de madeira, e eu estendia fios por toda a parte externa e instalava tomadas em todos os cômodos para poder ouvir meus rádios, que ficavam no andar de cima, no laboratório. Tinha também um alto-falante — não o dispositivo inteiro, só a parte sem a corneta.
Um dia, quando estava usando os fones de ouvido, resolvi ligá-los ao alto-falante e descobri uma coisa: se eu tocasse no alto-falante com um dedo, podia ouvir o som do toque nos fones de ouvido; se arranhasse o alto-falante com as unhas, também escutava o som do arranhão pelos fones. Descobri assim que o alto-falante podia atuar como um microfone, e nem era preciso uma bateria. Como na escola estávamos estudando Alexander Graham Bell, fiz uma demonstração para meus colegas com o alto-falante e os fones de ouvido. Na época nem pensara nisso, mas hoje acho que foi esse o tipo de telefone que ele usou originalmente.
Assim, agora eu tinha um microfone e podia transmitir do andar de cima para o de baixo, e do de baixo para o de cima, utilizando os amplificadores dos meus radinhos de bazares beneficentes. Nessa época, minha irmã Joan, que era nove anos mais nova que eu, devia ter dois ou três anos, e havia na rádio um sujeito chamado Tio Don de quem ela gostava. Ele cantava umas musiquinhas que falavam de “crianças boazinhas” e lia cartões enviados pelos pais, contando que “Mary de Tal está comemorando seu aniversário neste sábado, na avenida Flatbush, número 25”.
Um dia, minha prima Frances e eu fizemos Joan se sentar e dissemos que havia um programa especial que ela devia ouvir. Em seguida, subimos correndo para o andar de cima e começamos a transmitir.
Quem está falando é o Tio Don. Conhecemos uma garota muito boazinha, chamada Joan, que mora na rua New Broadway. Ela vai fazer aniversário… Não é hoje, mas sim no dia tal. Ela é uma menina engraçadinha.”
Aí cantamos uma musiquinha e emendamos com um corinho alegre: “Lá, larilaiá, tê tererê dudu, tê tererê dudu…” Depois disso tudo, descemos a escada.
E então, Joan? Gostou do programa?
Foi bom — disse ela. — Mas por que vocês fizeram a música com a boca?

Richard P. Feynman, in Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman!

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