Uma
das tantas teorias sobre o começo da civilização é a da angústia
do pênis exposto. Quando os primeiros hominídeos desceram das
árvores e foram viver na savana, uma das consequências de andarem
eretos e terem que se espichar para pegar as frutas foi que seus
órgãos sexuais ficaram expostos ao escrutínio público. Antes de
darem às fêmeas, ou aos mulherídios, a chance de organizarem uma
sociedade de acordo com a sua observação da novidade e determinarem
que os mais potentes teriam o poder — o que inviabilizaria qualquer
tipo de hierarquia baseada na inteligência e, principalmente, na
antiguidade, além de decretar o fim da linhagem dos pintos pequenos,
que nunca se reproduziriam —, os machos tomaram providências,
começando por tapar suas vergonhas. A civilização começou pelas
calças, ou o que quer que fosse a moda de tapa-sexos nas savanas. E
tudo que veio depois — a linguagem, o fogo, a roda, a escrita, a
agricultura, a indústria, a ciência, as nações, as guerras, todas
as afirmações masculinas que independem do pinto — foi, de um
jeito ou de outro, uma extensão das primeiras calças. Um disfarce,
um estratagema do macho para roubar da fêmea o seu papel natural de
guiar a espécie escolhendo o reprodutor que lhe serve pelas suas
credenciais mais evidentes, e não pelas suas poses ou poemas. Toda a
nossa cultura misógina vem do pavor da mulher que quer retomar seu
poder pré-histórico e, não sendo nem prostituta nem nossa santa
mãe, nos tirar as calças. Todo o nosso drama milenar foi resumido
num pequeno auto admonitório: Yoko Ono seduzindo John Lennon e
desfazendo uma idílica ordem fraternal, quase destruindo um mundo. E
o que é a supervalorização da virgindade e a estigmatização
civil do adultério, como constam na lei brasileira, senão uma
tentativa de garantir que a mulher só descubra o tamanho do pênis
do marido quando não pode fazer mais nada a respeito? Continuaríamos
vivendo a angústia das savanas.
Independentemente
das teorias, a virgindade é um tema para muitas divagações.
Ninguém, que eu saiba, ainda examinou a fundo, sem trocadilho, todas
as implicações do hímen, inclusive filosóficas. Já vi o hímen —
que, salvo grossa desinformação anatômica, não tem qualquer outra
função biológica a não ser a de lacre — descrito como a prova
de que o Universo é moralista. E, levando-se em conta a dor do
defloramento e mais as agruras da ovulação e do parto em comparação
com a vida sexual fácil e impune do homem, também é misógino. Mas
em comparação com o que a mulher, historicamente, sofreu num mundo
dominado por homens e seus terrores, o que ela sofre com a Natureza é
pinto. Com trocadilho.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
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