quinta-feira, 14 de abril de 2022

De trânsitos e de sobrevivências


 “Et sais que je suis un homme maintenant car je suis la plus dangereuse des betes.”
Erri De Lucca, Trois chevaux

A presente comunicação tem como objetivo principal colocar em paralelo Life of Pi — a novel (2001), do escritor canadense Yann Martel (1963-), e Max e os felinos (1981), do escritor gaúcho Moacyr Scliar (1937-2011). Não pretendemos retomar a polêmica instaurada pelas imprensas canadense e brasileira, no final de 2002, relativa à acusação de plágio pelo autor brasileiro contra o canadense. O que nos interessará destacar aqui é a análise das convergências existentes entre as duas obras e as figuras da americanidade que elas agenciam. As temáticas da travessia do oceano, do naufrágio e dos sobreviventes adolescentes que chegam ao Novo Mundo reeditam os mitos de renovação constitutivos da americanidade. A travessia mimetiza a viagem inaugural de Cristóvão Colombo, os escaleres, que permitem aos adolescentes chegar respectivamente, ao Canadá e ao Brasil, simbolizam a arca de Noé, mito do recomeço e da restauração cíclica por excelência. Pretendemos destacar as metamorfoses das personagens durante a viagem e suas relações com os felinos (um tigre e um jaguar) que sobrevivem com eles e que simbolizam ao mesmo tempo as forças do subconsciente e a memória do passado que os imigrantes trazem consigo para a América.

Antes da travessia

No livro de Scliar, Max e os felinos, o jovem Max, sendo filho de um comerciante de peles, viveu em meio a todas as espécies de peles de animais: raposas, visons, castores, etc. A loja, “Ao tigre de Bengala”, era decorada com um tigre empalhado que seu pai havia caçado na índia e que havia mandado empalhar. Desde a infância, Max temia este animal a tal ponto que chegava a ter pesadelos, embora se tratasse de um simples elemento de decoração. Ele ficou traumatizado pela ordem do pai que mandou-o ir, à noite e sozinho, buscar um jornal que havia esquecido na loja. O menino teve que atravessar o território do pai – a loja de peles –, enfrentar o mais poderoso dos carnívoros, o tigre de Bengala, para obedecer à sua ordem. Max ficou tão nervoso que chegou a ferir-se na cabeça, regressando aos soluços à casa, após ter vivido uma traumática experiência que nunca mais esqueceria.
Alguns anos mais tarde, estando na universidade quando o regime nazista emerge na Alemanha, Max, que havia participado de manifestações antinazistas, tem que partir de Berlim às pressas, no primeiro navio, para não ser preso. O navio naufragará e o jovem conseguirá encontrar um lugar no pequeno escaler que já estava ocupado por um jaguar, o mais terrível dos carnívoros, originário da América Latina. Se Max irá associar para o resto de sua vida a imagem do tigre empalhado sobre o armário ao autoritarismo do pai, o jaguar, a quem ele deverá alimentar durante toda a travessia para não ser devorado, permanecerá como uma reminiscência do autoritarismo político, representado pelo regime nazista que o obrigou a deixar sua família e seu país natal.
Em Life of Pi a novel, Piscine Molitor Patel (conhecido pelo apelido Pi) terá, em Pondichéry, antiga capital de Cantão, na índia francesa, uma experiência completamente diferente com animais, tendo vivido uma infância feliz em companhia de sua família, que era proprietária de um jardim zoológico. Passou sua infância cercado de animais selvagens (vivos e não empalhados) de toda espécie, os quais são minuciosamente descritos pelo autor, que revela profundos conhecimentos de zoologia. O menino herdará do pai a arte de apaziguar animais, sentindo-se muito à vontade em alimentá-los e em tratá-los, desde que era bem pequeno. Aprende com o pai que, em um zoológico, o animal mais perigoso é o homem... Um detalhe importante a ser destacado é que Piscine desenvolve, para além de seu interesse pela zoologia, uma grande curiosidade pelo estudo das religiões, querendo tornar-se ao mesmo tempo cristão, muçulmano e hindu, o que simbolicamente representa uma espécie de preparação e ou de presságio do multiculturalismo do Canadá, país para o qual seu pai decidiu imigrar.
É preciso também notar a habilidade de Yann Martel nas passagens dos poderes narrativos: o autor cede seu lugar de narrador a Piscine Patel, adulto que, vivendo em Toronto, conta a história de Pi, de sua fantástica travessia do oceano Pacífico, do naufrágio do barco no qual viajava em companhia de sua família e, finalmente, de sua permanência durante 227 dias em um barco salva-vidas com um tigre de Bengala.
We'll sail like Columbus!” (Life of Pi, p. 97), ou – Vamos navegar como Colombo, disse o pai, em direção a um novo país, a uma vida nova, uma nova utopia. A venda do zoológico foi indispensável para que a família obtivesse os meios financeiros para recomeçar a vida na América. O Tsimtsum, contendo parte dos animais vendidos a zoológicos dos Estados Unidos, além da família Patel, parte do porto de Madras, na índia, em 1977.

A travessia

Enquanto Max atravessa o Atlântico para chegar ao Brasil, Pi faz a travessia do Pacífico para chegar às costas do México e depois à sua destinação final, o Canadá. As embarcações nas quais viajam naufragam, com o desaparecimento de todos os passageiros. Os únicos sobreviventes são os heróis Max (Scliar) e Pi (Martel), que conseguem salvar-se graças a precários botes salva-vidas cujo espaço exíguo será compartilhado com animais selvagens que viajavam nos porões dos navios e que também conseguiram sobreviver ao desastre.
Esse episódio nos remete ao texto bíblico da Arca de Noé (Gênesis, 6,17). Depois do dilúvio, Noé e sua família e um exemplar de cada espécie animal e vegetal permanecerão quarenta dias e quarenta noites na arca, à espera da descida das águas para recomeçar uma nova vida na terra. Será portanto somente após a passagem iniciática no interior da arca que eles estarão prontos para dar origem a uma nova forma de vida no planeta.
Os dois romances em questão, sendo textos emblemáticos da imigração para as Américas, reescrevem curiosamente essa famosa passagem do Gênesis, para representar simbolicamente o fato de que os imigrantes também vivem um ritual de iniciação, representado aqui pelo imaginário da travessia e do naufrágio, com a perda de seus bens e de suas referências, para chegar nus – como novas figurações de Adão – prestes a (re)começar um outro ciclo existencial.
É interessante notar nos dois textos a importância que os autores atribuem ao “trans” (prefixo inscrito em travessia), que remete à passagem ao outro lado e à saída de si mesmo. O oceano é o espaço intermediário, o entre-dois; os personagens aí permanecerão à deriva em um espaço-tempo suspenso onde enfrentarão seus próprios demônios, que são ficcionalizados por animais ferozes como o tigre, a zebra (de perna quebrada), o orangotango e a hiena, no caso de Life of Pi, e o jaguar, no caso de Max e os felinos. Ficando à deriva, os personagens permanecerão afastados de sua rota, perderão de vista as margens e serão levados ao sabor dos ventos e das correntes marítimas.
A passagem de um continente a outro, bem como o tempo em que ficaram à deriva constituem um espaço intersticial que não é mais o país natal nem o país de chegada. Tempo de fazer o luto da origem, segundo a bela expressão de Régine Robin, a experiência do estranhamento e de reconfigurar as utopias americanas. Durante a travessia, será preciso dar provas de coragem e de esperteza para assegurar a sobrevivência nesse entre-lugar instável e perigoso. Na esteira de Cristóvão Colombo, os personagens fazem a experiência da passagem do conhecido ao desconhecido, da civilização à barbárie e, assim como o conquistador de 1492, deverão enfrentar os monstros e os seres fantásticos que, segundo o imaginário da época dos descobrimentos, povoavam o "mar tenebroso". O principal desafio que se apresenta aos personagens é o de ultrapassar as situações-limite a que são expostos e de se manterem vivos apesar das ameaças constantes das tempestades, das ondas e dos animais famintos a bordo. Ambos saem vencedores da experiência da perda, da solidão, da incerteza e do iminente risco de vida representado pela proximidade dos animais selvagens.
As técnicas da narrativa fantástica, tomadas de empréstimo do diário de bordo de Colombo, matriz textual incontestável desse procedimento estético, convidam os leitores a compartilhar a experiência insólita dos migrantes que, deixando para trás sua herança cultural, devem se confrontar com os fantasmas e os demônios de seu subconsciente antes de começar uma vida nova no país de adoção. Realizando ao mesmo tempo a ruptura (com o passado) e a ligação (com o porvir), os náufragos vivem no limite de sua resistência física e mental. Viver na fronteira de seus próprios limites produz efeitos curiosos: as ações dos animais e das feras se confundem; o real e a ficção são dificilmente distinguíveis. A necessidade de permanecer vivos mobiliza as forças dos náufragos, cuja única motivação é a sobrevivência.
A sobrevivência física é metáfora dos esforços que os migrantes devem fazer em sua nova vida para não deixar morrer sua memória e sua herança cultural. E interessante mencionar, aqui, a reflexão de Margaret Atwood relativa aos elementos que simbolizam e sintetizam certas nações. Segundo a autora canadense, as fronteiras simbolizam as Américas, enquanto a ilha seria a palavra-síntese para a Inglaterra, e sobrevivência, o verdadeiro símbolo centralizador para o Canadá (Atwood, 1987, p. 32). O tema da sobrevivência, presente durante toda a travessia do oceano, prefigura o esforço de sobreviver material e culturalmente em um país estrangeiro. Como destaca Atwood, “a sobrevivência poderia ser o vestígio de uma ordem antiga que se arranjaria para durar como faria o réptil de uma espécie primitiva” (p. 33).

A chegada ao Novo Mundo

No livro de Scliar, um lugar importante é reservado à chegada ao Brasil e à adaptação de Max ao novo contexto de Porto Alegre. Observa-se as metamorfoses do personagem que, no momento de deixar seu país, era ainda um adolescente e que, desde a chegada ao Brasil, revela um comportamento de adulto, pronto a tomar as decisões de instalação, busca de emprego etc. Apesar de suas esperanças em relação à nova terra, o herói começa a sentir-se perseguido: pensa que seus vizinhos o espionam e que uma onça o espreita, no bosque nas cercanias do sítio em que foi residir. Mesmo sabendo que as matas sul-rio-grandenses não são o habitat prefencial de onças-pintadas e que o vizinho alegue não possuir qualquer vinculação com partidos nazistas, ele não deixará de sentir-se observado.
Lembremos aqui as teses de Gérard Bouchard sobre as Américas como lugar e objeto de novas utopias. Ele constata o fracasso das grandes utopias americanas tais como o melting pot, a democracia racial brasileira entre outras, e reconhece um certo declínio (ou fadiga) “da americanidade como espaço de sonho e de substituição” (Bouchard, 2000, p. 182). O destino de Max prende-se de alguma forma a essa visão pessimista das Américas como espaço destinado ao fracasso e à morte das utopias, pois o personagem não chega a libertar-se dos fantasmas que o habitavam em Berlim. Somente muitos anos mais tarde, após ter tentado matar um suposto ex-membro do partido nazista e de ter purgado alguns anos de prisão, ele se sentirá verdadeira e finalmente “em paz com seus felinos” (Scliar, p. 116).
Se, na obra de Scliar, todo um capítulo é consagrado à chegada ao Brasil assim como às dificuldades do personagem em encontrar o seu lugar na sociedade de acolhida, na obra de Martel, o livro acaba no momento em que o náufrago chega à terra firme, se recupera em uma enfermaria e passa a narrar de dois diferentes modos suas inacreditáveis peripécias. Entretanto o leitor conhece desde o início que a adaptação, em Toronto, de Piscine Molitor Patel, ou Pi, foi muito bem sucedida, pois é ele próprio o (ou um dos) narrador(es) dessa insólita história. Sabe-se, por exemplo, que ele conseguiu concluir seus estudos em dois diferentes campos: em zoologia e em história das religiões, e que em sua casa encontram-se uma estátua de Ganesh, o que remete ao hinduísmo, religião praticada por sua família na Índia, uma Virgem de Guadalupe, o que remete à religião católica, e uma foto de Kaaba, figura sagrada do Islamismo. Ele está pois plenamente imerso no transcultural, e esta abertura às diferentes maneiras de relação com o mundo faz parte das estratégias de sobrevivência do personagem. Nesta narrativa cheia de humor e de clin d'oeils a várias narrativas orais extraídas de diferentes culturas, a mensagem subjacente remete incessantemente à tese segundo a qual se pode encontrar a(s) verdade(s) trilhando diferentes caminhos.
Em Scliar, as passagens transculturais são menos evidentes na medida em que Max leva um certo tempo para resolver seus conflitos existenciais; em Martel, as passagens transculturais são claramente apresentadas: o saber empírico sobre animais, que Pi trouxe de seu país natal, e que foi reatualizado durante a travessia, se transforma em saber científico com o recebimento do diploma universitário. Os diálogos iniciados na Índia sobre as diferentes propostas trazidas pelos diversos credos religiosos transformam-se em saber formal assegurado pelos meios acadêmicos frequentados no Canadá. O que se observa nos fenômenos da trans-cultura é que os distintos aportes culturais que entram em contato passam por processos de transmutação, dando origem a algo novo que permite ao imigrante tornar-se outro sem deixar de ser ele mesmo.

As figuras da americanidade

Os dois romances exploram as figuras e os mitos da americanidade na medida em que se constroem a partir de viagens, de passagens, de travessias e de migrações e, se projetam algumas distopias, prefiguram sobretudo utopias de recomeço e de renovação. Os dois personagens refazem a experiência de Cristóvão Colombo no que diz respeito à pulsão da viagem e da ultrapassagem do temor dos monstros que, segundo relatos orais, povoavam os oceanos e as terras de além-mar. Os animais selvagens são o outro lado dos personagens, e os diferentes relatos apresentados mostram também que em situação-limite – como a da luta pela sobrevivência – os homens podem comportar-se como as feras.
Esta interface homem/fera encontra-se encriptada nas duas obras: em Max e os felinos, lê-se em epígrafe uma citação de Francisco Macias Ngueme, ditador da Guiné Equatorial: “Medo, eu? O tigre não tem medo de ninguém... O tigre invisível. A minha alma”. Em Life of Pi – a novel, o autor apela para a figura da personificação: o narrador fabrica uma segunda versão de sua narrativa, substituindo os animais por seres humanos: a hiena passa a ser o cozinheiro do navio naufragado, a zebra de perna quebrada, um dos marinheiros, o orangotango, a mãe de Pi, e o tigre é ora o próprio menino ora um ser humano cujo nome é Richard Park, com quem Pi dialoga durante a longa deriva pelo Pacífico.
Duas narrativas, isto é, duas possibilidades de representar os fatos são fornecidas aos primeiros que vêm socorrer os náufragos. No caso da obra de Yann Martel, os funcionários da companhia de seguros que vêm conhecer as circunstâncias do naufrágio do Tsimtsum, bem como as condições quase miraculosas da sobrevida de Pi, defrontam-se com dois diferentes relatos. Os entrevistadores que chegam à enfermaria Benito Juarez, em Tomatlán, no México, têm dificuldades para crer no relato, que consideram fantástico, segundo o qual o jovem Pi conseguiu sobreviver durante 227 dias em um escaler, em companhia de quatro animais selvagens que se entredevoram, sobrando no final apenas o tigre e o jovem. Diante da incredulidade dos entrevistadores, Pi apresenta-lhes sua segunda versão, segundo a qual ele conseguiu salvar-se em um barco salva-vidas com sua mãe, um marinheiro e o cozinheiro do Tsimtsum, os quais acabam por se entredevorar, devido ao longo tempo de permanência à deriva. Os funcionários acham essa segunda versão ainda mais terrível, pois se recusam a aceitar a prática do canibalismo, e consignam em seus relatórios a primeira versão.
Em Max e os felinos, o jovem fala do jaguar que lhe fez companhia após o naufrágio do Germania aos marinheiros de um navio que veio para resgatá-lo. Os marinheiros atribuem a história do jaguar à imaginação de Max, perturbado com a longa exposição ao sol, à solidão e à sua extrema fatiga.
Esse jogo de narrativas duplas assinala a impossibilidade, no espaço das Américas, da univocidade, das verdades e das certezas indiscutíveis. Os dois autores vislumbram o espaço americano como espaço de negociação do identitário e nos legam uma lição de fundamental importância: não existem fatos, só existem narrativas... Trata-se, de fato, de uma clara alusão à história das Américas, onde cada acontecimento tem ao menos duas versões: a dos colonizados e a dos colonizadores, a dos vencidos e a dos vencedores.
Como temos tentado mostrar, os dois livros se constroem a partir de um mesmo tema – um menino e uma fera tentando sobreviver em um barco à deriva –, a mais velha das idéias no mundo, segundo o dizer de Sarah Schmidt (National Post, 2002). Segundo a autora, esse núcleo narrativo emerge nos romances de Tarzan, de Edgar Rice Burroughs, e em outras tantas narrativas cuja enumeração seria fastidiosa, todas remontando ao mito bíblico da Arca de Noé. Os dois romances guardam, contudo, grande originalidade se forem lidos na perspectiva das transferências culturais, tentando-se interpretá-los como narrativas emblemáticas da imigração, e a seus personagens, como personificações do esforço de sobrevivência. A travessia do oceano se constitui no espaço intermediário que não é nem o novo horizonte, nem o abandono do que foi. A longa deriva sobre as ondas constitui o entre-lugar – incontornável para os imigrantes – onde “presente e passado, interior e exterior, inclusão e exclusão se entrecruzam para produzir figuras complexas da diversidade e do identitário”.
É nesse entre-lugar aquático, instável e imprevisível, que se encenam as lutas dos heróis com seus próprios demônios, com o outro de si-mesmos. A travessia, como rito de passagem, revela-se indispensável antes da chegada a um mundo que se construiu até então sem a sua colaboração.
Os dois personagens, depois de terem feito uma viagem abracadabrante, chegam ao que está por começar: uma nova vida na América. Parece que os escritores brasileiro e canadense reescrevem o poema – síntese da americanidade, que abre a antologia Lhomme rapaillé/O homem restolhado, do poeta quebequense Gaston Miron. Eles também são de algum modo homens restolhados, pois vão – no contexto do Novo Mundo – recolher materiais já utilizados para lhes dar novas utilizações, assegurando assim a sobrevivência de vestígios e de fragmentos de suas memórias que salvaram-se do naufrágio. Miron empregou a expressão rapaillé, traduzida para o português por Flávio Aguiar por restolhado, “como símbolo da reconstrução do humano sob os escombros da colonização”, em um momento marcado por uma profunda crise das utopias e na esperança de poder redespertá-las.
Moacyr Scliar, no sul, e Yann Martel, no norte, ambos escritores americanos, sentiram necessidade de relançar o tema das utopias de renovação a partir do ponto de vista dos imigrantes, imbuídos certamente da mesma generosidade de despertar o sonho e a fantasia, essenciais aos humanos e função primordial da literatura. O apelo ao fantástico, que esconde um certo número de enigmas e de mistérios, foi a estratégia escolhida por ambos. Eles deixam a seus leitores a tarefa de penetrar no interior das narrativas para decodificar as opacidades como, por exemplo, o nome que o personagem de Yann Martel atribui a si mesmo, Pi, diminutivo de Piscine, mas também décima sexta letra do alfabeto grego, que remete a péripheria (periferia) e designa a circunferência do círculo. Número estranho designado por uma letra, carregado de enigmas que desafiam a inteligência da humanidade desde a mais remota antiguidade.

Zilá Bernd, in Prefácio de Max e os Felinos

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