sábado, 26 de março de 2022

Mesmo as atividades mais longas chegam ao fim

Acontece assim: Blue, barriga no chão, tornozelos no ar, cotovelos e antebraços pressionados contra gravetos e talos e grama.
O jogo de tabuleiro que é uma esfera e uma trança e uma floresta de árvores entrelaçadas inclui ela e a grama. Jardim sempre afirma o Turno rival se apoia demais em enganar o tempo, evadindo-o, deslizando por ele como pedras, mergulhando apenas os dedos dos pés, pensando poder desviar as correntezas ondulando a superfície. Você precisa se aprofundar no tempo, diz Jardim, para mudá-lo de modo duradouro; jogar um jogo lento, mas vencer.
O foco de Blue deixa tudo ao redor paralisado. Ela se inunda de verde, segue redes de raízes pela terra e pelo ar e pela água enquanto constrói uma trança.
Então para. Sua mão treme.
Imagino você esticando o braço por cima do meu ombro para corrigir minha mão na garganta de uma vítima, para guiar a trama de um filamento.
Ela nunca tinha reparado nas próprias mãos antes — sua mão como um filamento.
Isso muda tudo. A grama se trama perfeitamente. O mundo entorta enquanto ela corre, enquanto milênios multidimensionais se dissolvem em um perfeito tabuleiro de Go, com uma liberdade derradeira e impossível, só esperando que Jardim surja e clame, sufocando a Agência como uma figueira-branca estrangula seu hospedeiro.
O trabalho profundo a preenche enquanto ela se adere a Jardim, sente Jardim se regozijar como um rio na primavera, e ele a inunda com amor e aprovação o bastante para saciar um século de órfãos.
É quase o suficiente. É diferente de tudo que Jardim já lhe ofereceu desde aquela primeira amputação. Mas dentro do rodopiante brilho de cores frescas e reconfortantes, ela guarda uma pequena veia apartada: vê uma mão sobre outra mão sobre uma garganta e pensa mal posso esperar para que Red veja isso.

Amal El-Mohtar e Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo

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