quarta-feira, 2 de março de 2022

Correio elegante

Junho de 1999. Festa junina. Friozinho. Cheiro de pinhão.
Oi. Queria mandar um correio elegante pra uma menina da minha classe.
Sim. São cinquenta centavos. Uma ficha azul.
Destacou a ficha com as mãos gordinhas.
Aqui.
Pode ditar o texto.
Tá. É… “Flávia. Você é a menina mais bonita da minha vida. Mais bonita até que a Mili das Chiquititas. Eu te amo. Assinado: Anônimo”.
Certo. Agora me mostra a Flávia pra eu poder entregar.
Tá. Tá vendo a barraca da pescaria?
A-hã.
Então. Ali na frente não tem uma menina alta?
Hum… Eu só tô vendo uma baixinha.
Não, ela é aquela alta, com um vestido bonito.
Alta com vestido bonito? Não tô vendo. Só vejo uma baixinha com um vestido de estampa feia de floresta.
Ela é a alta, meio magra, com vestido bonito e cabelo dourado.
Meio magra? Não tem nenhuma.
É, não muito magra. Meio normal. Mas linda.
Tem uma moça linda na frente da barraca da pipoca.
Não. É na pescaria mesmo.
Gente… onde?! Tem um grupo de rapazes, duas velhinhas e uma menina de um metro e cinquenta, gordinha, com o vestido estranho.
Ela é a que está comendo um cachorro-quente e segurando dois pastéis. Viu?
– … a… ahn… então é a gordinha?
Pode ser. Meio gordinha, mas muito bonita. Muito.
Tá certo. Tem razão. Eu entrego.
Tá.

Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor

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