Foi
num lugar à beira-mar que encontrei minha amiga Nina, uma mulher já
não muito jovem e com um filho adolescente. Nina me levou até sua
casa, e vi algo incomum. A portaria, por exemplo, era retumbante,
alta, com escadaria de mármore, e depois vinha o próprio
apartamento, atapetado com pelo de castor cinza, com predominância
de madeira escura e feltro escarlate. Tudo isso tinha uma aparência
magnífica, como uma imagem na revista da moda L’Art de la
Décoration, a arte da decoração, e exatamente igual era o
banheiro, novamente o chão atapetado em cor cinza, com lavabo de
porcelana azul e espelhos — era simplesmente um sonho! Eu não
acreditava nos meus próprios olhos, mas Nina tinha a mesma eterna
aparência reticente e cansada, e me levou para o quarto com três
portas escancaradas, meio escuro, mas também elegante, com uma
quantidade inesperada de camas desfeitas. “Como é, você se
casou?”, perguntei para Nina, e ela, com cara de dona de casa que
arruma tudo, preocupada, mas sem tocar em nada, foi para uma das
portas. Lembro do quarto luxuoso, como um hotel, com closets, uns
quatro metros de cada lado, e vestidos pendurados nos cabides. Como
essa riqueza e abundância foram concedidas à pobre Nina, que nunca
havia tido uma roupa íntima razoável, e usava eternamente o
mesmo sobretudo no inverno e três vestidos, um mais velho que o
outro? Havia se casado, mas aqui? Foi para aquele lugar selvagem,
aquele vazio à beira-mar onde as pessoas não moram, e sim esperam o
verão, quando será possível alugar quartos para estranhos. Mas e
aquelas escadas, os corredores, as passagens; e além disso não saí
do apartamento pela mesma porta, dei por mim na portaria vizinha, de
mármore branco, onde já entravam alunos de escola com professoras
numa excursão.
Bem,
ela se casou, no fim das contas era isso. Nina havia trocado seu
apartamento de um quarto em Moscou, onde vegetava com o filho, por
aqueles aposentos, e ainda por cima com toda a mobília e até
lençóis e roupas! Quer dizer, os donos da casa não
haviam
tocado em nada, eles apenas se retiraram, e por isso Nina tinha o ar
preocupado, porque havia duas camas a mais no quarto — eram camas
da dona da casa e do filho, um jovem pescador calado com bochechas
gorduchas. A dona da casa pelo visto cuidava de seus afazeres como
antes, pelo visto cuidava da casa, e nos sentamos à mesa sob a
supervisão dela; ela se comportava tal como uma sogra boa e
tranquila, e como se Nina fosse sua nora querida, em nome da qual a
sogra se desdobrava e se atarefava pela casa, mas na verdade mantendo
todas as posições de mãe da família e principal pessoa da casa,
sem permitir que a nora fizesse nada.
Acontece
que a dona da casa havia feito uma troca com Nina. Nina largara seu
trabalho no jornal da capital e se preparava para escrever sobre a
região, sobre o mar, que ela sempre havia adorado — ela venerava
tudo o que vinha do mar — , e enquanto isso ela circulava com o
rosto preocupado por sua nova casa, da qual a antiga dona ainda não
havia saído. Todas as formalidades foram cumpridas, Nina tinha os
papéis, ela morava com o filho na casa, mas a senhoria idosa e o
filho dela também estavam morando nessa casa por todo aquele
inverno, e nem sombra de falar em mudança. Nina, que não era uma
pessoa prática, era desleixada, habituada a deixar tudo seguir seu
curso natural — por isso saiu do jornal para viver como autônoma e
para supostamente desvendar toda a sua vida — , aceitou tudo o que
estava acontecendo. Ela comia, bebia, ia até a praia, sentava lá, o
filho dela ia para a escola local, bastante boa, não precisava de
dinheiro, toda aquela família duplicada se alimentava com dádivas
do mar que o jovem pescador trazia no barco.
— Quem
é ele? — perguntei, e Nina respondeu sem hesitar que ele era filho
do deus do mar, Posêidon, podia viver e respirar debaixo da água,
de lá trazia tudo, ia a pé para vários países pelo fundo do mar e
trazia não só peixe, mas também conchas e pérolas, assim como
tudo para a casa e para a família.
Com
isso a antiga esposa de Posêidon, que não se sabe por que aceitara
Nina completamente arrasada sob seus cuidados, se sentava na cadeira
principal, sob uma janela alta, e nos dava de comer e nos dava de
comer, e na minha memória sempre surgia da suíte de luxo digna de
hotel, com lençóis magníficos como espuma do mar, e com quatro
camas — e imaginava que é assim que é preciso ser, deixar tudo
seguir seu curso, sem lutar, afrouxar os braços, e então você vai
respirar debaixo daquela água, e o deus Posêidon vai te tomar e te
instalar em condições nada ruins. Pois, ao voltar para casa em
Moscou, fiquei sabendo que Nina não havia se mudado para lugar
nenhum, e justo no ano anterior havia se afogado com o filho pequeno,
estavam no famoso naufrágio de uma lancha de passeio perto daquela
mesma costa onde eu acabara de passear, sem suspeitar de nada.
Liudmila Petruchévskaia, in Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha: Histórias e contos de fadas assustadores
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