Minha
primeira experiência com chimpanzés foi na faculdade, na
Universidade Radboud, em Nijmegen, Holanda. Para ganhar alguns
florins, assumi o posto de assistente de pesquisa num laboratório de
psicologia. No primeiro dia, fiquei sabendo que o trabalho envolvia
chimpanzés. Isso me pegou de surpresa, porque quem em sã
consciência manteria símios no último andar de um prédio
universitário, em meio a escritórios e salas de aula? As condições
de vida estavam longe do ideal e nunca seriam permitidas hoje, mas me
diverti muito conhecendo meus dois amigos peludos.
Todos
os dias eu os testava em tarefas cognitivas que poderiam ser
perfeitas para ratos, mas não eram adequadas para símios. Naquela
época, os psicólogos ainda acreditavam em leis universais de
aprendizado e inteligência e não se interessavam pelos talentos
especiais de cada espécie. Nem mesmo o tamanho do cérebro importava
para eles. Como B. F. Skinner, o fundador da escola behaviorista,
disse sem rodeios: “Pombo, rato, macaco, qual é qual? Isso não
importa”. Agora, no entanto, sabemos que existem muitos tipos
diferentes de inteligência, cada qual adaptada aos sentidos
especiais e à história natural de uma espécie. Não se pode
avaliar um símio ou um elefante da mesma maneira que se avalia um
corvo ou um polvo. Grandes primatas, em particular, são seres
pensantes que tentam entender cada problema que enfrentam. Eles
perdem o interesse assim que descobrem a solução. Em comparação
com alguns macacos rhesus testados no mesmo laboratório, nossos
chimpanzés tiveram mau desempenho, o que demonstra que desempenho e
inteligência não são a mesma coisa. Enquanto os macacos tinham os
olhos firmes nas recompensas e mantinham uma rotina para ganhar o
máximo que conseguissem, os chimpanzés ficavam entediados. A tarefa
estava abaixo do nível deles. Em consequência, eu passava muito
tempo fazendo bagunça com eles, e eles gostavam muito mais.
Foi
assim que aprendi os sons típicos e outras formas de comunicação
dessa espécie, e também a agir como símio, o que não é tão
difícil, uma vez que os seres humanos são essencialmente primatas.
A única parte que não consegui imitar foi a força muscular deles.
Eu não conseguia me balançar pendurado por um único dedo ou saltar
de uma parede para a outra sem tocar no chão. Embora não tivessem
nem seis anos de idade, eles rapidamente perceberam que eu era um ser
fraco que não gostava de ser atrelado com os mesmos laços com que
eles atavam uns aos outros. Eu podia dar o tapa mais forte que
conseguisse nas costas deles — tão forte que qualquer ser humano
teria explodido em protestos irados —, mas eles apenas continuavam
rindo como se aquilo fosse a coisa mais engraçada que eu já fizera.
Como
era típico da idade deles, seus impulsos sexuais estavam surgindo, e
eles eram forçados a projetá-los em nossa espécie. Ambos os machos
tinham ereções assim que viam uma mulher passar. Eram tão precisos
em identificar o sexo oposto que eu me perguntava como faziam aquilo.
Pelo cheiro era improvável, porque seus sentidos são como os
nossos: a visão é dominante. Um colega estudante e eu decidimos
fazer um teste, o que levou ao meu primeiro experimento
comportamental. Nós nos vestimos com saias e perucas e modulamos
nossas vozes para ver que tipo de reação receberíamos. Entramos na
sala conversando e apontando para os chimpanzés como se fôssemos
visitantes fêmeas inesperadas. Eles mal ergueram os olhos. Nenhum
pênis ereto, nenhuma confusão, exceto que puxaram nossas saias.
Poucos minutos depois, uma das secretárias espiou pela porta, pois
vira duas senhoras estranhas entrarem e pensou que estavam perdidas.
Com ela, os chimpanzés mostraram imediatamente a reação que
esperávamos. Concluímos que é mais fácil enganar as pessoas do
que os chimpanzés.
Esse
experimento era mais parecido com um trote. Eu hesitaria em
mencioná-lo, a não ser pelo fato de que ele ilustra a percepção
aguçada — que é o tema deste capítulo. Como um organismo lê a
linguagem corporal de outro? Muitos animais têm a mesma
sensibilidade que esses dois chimpanzés quando se trata de
distinguir gêneros humanos. Até espécies bem distantes de nós,
como aves e gatos, fazem isso com facilidade. Conheço muitos
papagaios que só gostam de mulheres, ou só de homens. Eles focam na
única diferença de sexo visível que se encontra em todo o reino
animal: os movimentos masculinos tendem a ser mais bruscos e
resolutos que os das fêmeas, mais fluidos e flexíveis. Nós nem
precisamos ver corpos inteiros para fazer essa distinção. Quando os
cientistas prenderam pequenas luzes nos braços, nas pernas e na
pélvis das pessoas e as filmaram andando, descobriram que esses
pontos, por si sós, contêm todas as informações de que precisamos
para distinguir o gênero. Observando apenas alguns pontos brancos em
movimento contra um fundo escuro os indivíduos podem dizer
imediatamente se estão olhando para um homem ou uma mulher. O padrão
de caminhada varia até com o estágio do ciclo ovulatório da
mulher. Se podemos julgar com precisão as pessoas com base em
informações tão escassas como essas, não é difícil perceber por
que, para muitos animais, a masculinidade ou a feminilidade humana é
um livro aberto. Isso também funciona em sentido inverso, porque à
distância eu certamente consigo distinguir um chimpanzé macho de
uma fêmea pela maneira como eles se movem.
Muitos
anos depois, realizamos um experimento mais científico sobre
distinções de gênero. Ele originou-se da pesquisa sobre
reconhecimento facial com uso de tela sensível ao toque, mas
terminou com a descoberta de que os chimpanzés são íntimos dos
traseiros uns dos outros. Sentado diante de um monitor, o chimpanzé
via primeiro uma foto do traseiro de um animal da sua própria
espécie, seguida por dois retratos. Somente um retrato correspondia
ao traseiro que ele acabara de ver: ele mostrava a face do mesmo
símio. A tarefa era fácil demais se as faces fossem de sexos
diferentes, porque os traseiros de machos e fêmeas são muitíssimo
diferentes, e as faces de ambos os sexos também diferem.
Mas
e se eles tivessem de escolher entre dois retratos de machos depois
de ter visto um traseiro de macho, ou entre dois retratos de fêmeas
depois de um traseiro de fêmea? Eles ainda escolheriam o correto?
Descobrimos que nossos chimpanzés selecionavam o retrato que
combinava com o traseiro, mas apenas dos chimpanzés que conheciam
pessoalmente. O fato de terem fracassado com estranhos sugere que
suas escolhas não se baseavam em alguma coisa das imagens, como cor
ou tamanho, mas no conhecimento que vinha de fora, de se verem todos
os dias. Tendo uma imagem de corpo inteiro de indivíduos familiares,
eles os conheciam tão bem que podiam conectar qualquer parte de seu
corpo com qualquer outra parte, como a anterior com a posterior.
Publicamos nossas descobertas sob o título de “Faces e traseiros”,
e como todo mundo achava engraçado que os símios fossem capazes de
fazer isso, recebemos um prêmio Ig Nobel — uma paródia do prêmio
Nobel que homenageia pesquisas que “fazem as pessoas rirem primeiro
e depois pensar”.
Embora
o mesmo experimento nunca tenha sido tentado com seres humanos —
muito menos com pessoas despidas —, devemos formar a mesma imagem
do corpo inteiro, porque todos nós somos capazes de encontrar amigos
e parentes numa multidão, mesmo que só os vejamos de costas.
Frans de Waal, in O último abraço da matriarca
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