segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Blue avança pela luz amena antes da aurora e procura algum sinal

Seu trabalho ali é lento, mas nunca tedioso; uma das virtudes de Blue como agente é sua meticulosidade em cada vida. Seu marido vai ser importante para a filha do amigo de um rival, e as conversas que Blue tem com ele, os presentes que faz para ele, os sonhos para os quais o embala na cama vão espalhar tentáculos de possibilidade desse fio para outros, enviar tremores para mudar e sacudir os ramos do futuro na direção de Jardim.
É um presente de Jardim que seu papel ali requeira uma atenção tão deliberada e minuciosa; que vagar na floresta e pensar em pássaros e árvores e cores seja o esperado dela, um ponto crítico da missão. Blue ama cidades — seu anonimato, seus cheiros e sons —, mas também ama florestas, lugares que outras pessoas chamam de quietos, mas que são tudo menos isso. Blue escuta os gaios, os pica-paus, quíscalos, ri dos beija-flores brigando com as asas. Ela estende as mãos para trepadeiras-azuis e chapins, rouxinóis preto e brancos, e eles voam até ela, fazem de seus dedos galhos. Ela acaricia as cristas dos pica-paus sem nomear a cor, faz uma agulha e um fio com a emoção que sente ao tocá-la e costura a alegria que Jardim espera que ela sinta na floresta.

Há uma cicatriz em seu ombro agora, não importa que forma ela tome, o franzido arabesco de um ferimento. Lobos se esquivam dela, amam-na à distância.
Porque é esperado que ela tome essa direção, é relativamente fácil disfarçar sua busca; como ela vem colhendo folhas da última estação, colecionando crânios de corvos, o pelo seco e aveludado de cervos, dentes de raposa, não é digno de nota que ela fique imóvel como uma presa ao ver uma enorme coruja cinza, seu rosto de maga inclinado para ela, o brilho de suas penas desgrenhadas da cor de um fim de noite.
A coruja está parada, serena e digna, no oco de um carvalho, e olha para ela.
Então golfa uma pequena pelota, se agita, e voa para longe.
Blue ri — súbita e agudamente — e se inclina para pegar a pelota e enfiar no bolso. Ela a rola pelos dedos de uma das mãos sem olhar, mais uma curiosidade para sua coleção. Ela não tira a mão do bolso até chegar em casa; espera até o pôr do sol, quando pode olhar o céu ficando escarlate enquanto corta cuidadosamente a pelota e encontra ali dentro algo para ler.
Anos depois, uma rastreadora esquadrinha a área, só um pouco abaixo da velocidade do som, aparece e some de vista, e carrega minúsculos fragmentos de osso de volta para a trança.

Amal El-Mohtar e Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo

Nenhum comentário:

Postar um comentário