Era um feriado da Independência. Seu
marido tinha ido ver o desfile. As ruas estavam embandeiradas e em
todas as casas se escutavam músicas marciais. Era também um dia sem
horas. Para não perder o espetáculo, tinham almoçado às onze e
meia. O céu estava carregado.
— Pobres soldados, ter que marchar com
um dia desses — repetia Ermelinda de Ríos, acendendo a luz.
Por mais que ela erguesse as cortininhas
da janela, o quarto ficava em trevas. Lá fora caía uma chuva
finíssima.
Nos dias de festa, Ermelinda sempre
costurava na frente da janela. Remendava as camisas, cerzia as meias.
Desta vez, ela cosia um vestido, para quando estivesse mais magra. O
quarto estava em desordem, havia retalhos de tecido pelo chão,
alfinetes, papéis recortados. A porta que comunicava com o quarto
vizinho estava aberta. Ermelinda alçou os olhos e avistou a cama de
casal, de bronze dourado; um ramalhete de flores no centro da
cabeceira entrelaçava os barrotes com uma fita. Essa cama era a
testemunha de sua felicidade. Sempre a mostrava a suas amigas e às
amigas de suas vizinhas. Era o presente de casamento que tinha lhe
dado Paula Hödl, a dona da casa de chapéus onde ela trabalhava.
Fazia quinze anos que trabalhava lá, sem dúvida era a melhor
artesã. As abas dos chapéus, sob suas mãos, dobravam-se como que
por mágica; as fitas, as plumas, os laçarotes e as flores eram
dóceis a seus dedos, que formavam, com idêntica facilidade, o
chapéu de feltro, o panamá de papel, o verdadeiro panamá ou o
chapéu de palha italiano. Paula Hödl a adorava. Quando algum
admirador mandava flores para Paula, esta, infalivelmente, lhe dava
duas ou três das mais bonitas. Mas Paula não gostava dela, e sim de
sua habilidade, não gostava dela, senão dos chapéus que saíam de
suas mãos como pássaros recém-nascidos. Desde que Ermelinda se
casou, Paula falava com ela de um modo grosseiro, os chapéus estavam
mal engomados, as clientes se queixavam. Balançava a mão
ameaçadora.
— Bem que eu te disse, Ermelinda, te
disse para não se casar. Agora você está triste. Perdeu até a
habilidade que tinha para enfeitar chapéus — e, sacudindo um
chapéu adornado com fitas, acrescentava com um levíssimo riso, que
mais parecia um pigarro: — O que significa este laçarote? O que
significa esta costura?
Ermelinda sabia que o chapéu estava uma
porcaria, mas ficava em silêncio (era sua maneira de responder). Não
estava triste. Até então tinha tratado os chapéus como
recém-nascidos, frágeis e importantes. Agora lhe inspiravam um
grande cansaço, que se traduzia em laçarotes malfeitos e pregados
com grandes pontos, que martirizavam a frescura das fitas.
— Assim que a senhora sentir as
primeiras dores, venha imediatamente para a maternidade —
dissera-lhe o médico. — Creio que lhe faltam poucos dias.
Ermelinda sentia o filho se mexer dentro
dela. Sentia que ele se encolhia, que se esticava caprichosamente,
como em um berço que tinha acabado de estrear. Acreditava ver a
forma dos pés nus e das mãos de boneca.
Não estava sozinha naquele quarto frio.
Alguém batia à porta, alguém sempre
vinha interromper as longas conversas que tinha com seu filho, que às
vezes era um rapaz de vinte anos com um terno cinza listrado, às
vezes de doze anos e outras vezes um recém-nascido. Via o homem, o
menino, o bebê; não o rosto. Ermelinda deixou a costura, fez entrar
a vizinha, que chegava com seus dois filhos. Pediu a ela que se
sentasse na cadeira de balanço, sua preferida, enquanto voltou à
pequena cadeira de costura. Os meninos se arrastavam pelo chão. Eram
pequeninos e morenos, com as bochechas craqueladas.
— Cumpro com minha promessa: trago
aqui, para você, os cadernos dos meus filhos. Coitadinhos, é o
primeiro ano que vão à escola — disse a vizinha, abrindo os
cadernos e os entregando a Ermelinda.
Entre cada página de garranchos havia
figurinhas coladas, ramalhetes de rosas e de não-te-esqueças-de-mim,
mãos entrelaçadas, pombas, crianças, animais, bandeiras. Ermelinda
folheava o caderno.
— Que bom. Que estudiosos são seus
filhos, senhora — repetia ela enquanto passava as páginas, até
que se deteve diante de uma, na qual havia o rosto de um menino muito
rosado, colado entre um ramalhete de lilases. — É assim que eu
queria que fosse. Assim que eu queria que fosse meu filho — repetia
Ermelinda, indicando com a mão a imagem brilhante. — Minha tia me
disse que, nos meses de gravidez, se se olha muito um rosto ou uma
imagem, o filho sai idêntico a esse rosto ou a essa imagem.
— Falam tantas coisas — suspirou a
vizinha, e acrescentou: — Não é por serem meus, mas meus filhos
são muito lindos e durante os nove meses da gravidez pode-se dizer
que não vi ninguém, nem olhei para ninguém, nem sequer em
revistas, nem sequer em ilustrações. Naquela fazenda em La Pampa
não tínhamos rádio. Não tínhamos outra música a não ser a
música dos eucaliptos. Eu ficava reclusa nos quartos todo santo dia,
jogando paciência. Que férias foram aquelas! Não vou me esquecer
delas nunca — e dizendo isso pegou o caderno que Ermelinda lhe
estendia, querendo lhe mostrar o rosto do menino rosado.
De repente Ermelinda viu que o filho mais
novo da vizinha estranhamente se parecia com a dama de espadas; era
uma espécie de pequeno homenzinho esmagado contra o chão, vestido
de verde e vermelho. O outro parecia um rei bem cabeçudo com uma
taça na mão, da qual bebia uma quantidade incalculável de água.
Tinham espalhado pelo chão as coisas da escola e brincavam de
guerrear com uns apontadores em forma de canhõezinhos.
A vizinha, olhando a figura, comentou:
— Tem o nariz muito arrebitado, além
disso tem cabelo carapinha, como os negros.
Ermelinda balançou a cabeça.
— É um menino encantador — levantou
os olhos triunfantes. — Quero que meu filho seja assim.
Até então ela não sabia como devia ser
seu filho, loiro ou moreno, de olhos azuis, verdes ou pretos.
Parecido com quem? Não sabia, e agora tinha encontrado a imagem.
— A senhora pode me emprestar este
caderninho? Só até esta noite.
A vizinha consentiu e se despediu de
Ermelinda, deixando-lhe um beijo pegajoso em cada bochecha. Os dois
meninos saíram do quarto arrastando os pés.
Ermelinda voltou a se sentar com o
caderno entre as mãos; estudou a imagem minuciosamente, em seguida a
deixou sobre a mesa e pegou a costura. Mas não tinha dado nem quatro
pontos quando começou a sentir uma dor, e depois outra, como
relâmpagos espaçados, porém pontuais. Levantou-se da cadeira.
Certamente era o filho que estava prestes a nascer; sentia-o em seu
ventre como em um quarto escuro, batendo contra a porta, com
insistência. Vestiu um agasalho e amarrou um lenço ao redor do
pescoço. Pegou lápis e papel, onde escreveu em letras trêmulas: O
menino está para nascer, vou para a maternidade, a sopa está feita,
basta esquentá-la para a hora do jantar, a figura que está na folha
aberta deste caderno é igual ao nosso filho, enquanto olha para ela,
leve o caderno para d. Lucía, que foi quem me emprestou. Prendeu
o papelzinho com um alfinete na colcha da cama, pôs ao lado o
caderno aberto, apagou a luz e saiu do quarto.
Atravessou os corredores escuros,
lentamente. Desceu as escadas íngremes, com medo de cair;
aferrava-se ao corrimão. Esperou o ônibus na esquina. Levava
apertada em sua mão a recomendação para o médico. O trajeto era
longo. Parecia que o motorista do ônibus não tinha a pressa das
outras vezes; parecia esperar uma namorada em cada esquina; olhava à
esquerda e à direita e falava sozinho. Ermelinda pensou que ia ter o
filho ali mesmo, tão forte continuavam os golpes e com tanta
impaciência. O tráfego estava interrompido; as dores se sucediam
como contas de um rosário interminável. Por fim o ônibus parou.
Para chegar à maternidade ela não tinha que caminhar mais que uns
quantos metros. Teve trabalho para se agachar; caminhava com rapidez
e com uma estranha cadência de dança, por causa do esforço que
fazia para não separar demais as pernas. Subiu os degraus altíssimos
e brancos da maternidade; havia uma luz constante, de amanhecer. As
enfermeiras a rodearam, a levaram de sala em sala, em seguida a
deitaram numa cama. Ela viu muitas estrelas vermelhas e azuis
adornando gigantescos chapéus; com os dentes, rasgou fitas de seda,
que eram ásperos lençóis de algodão e que fizeram sua gengiva
sangrar. A escuridão do quarto se enchia de filamentos deslumbrantes
e de gritos. E depois perdeu a consciência. Nadava em um lago sem
água e sem margem, até que chegou à ausência de dor, que foi uma
grande nudez, pura e diáfana. Sentiu-se como uma casa muito grande e
bem trancada, que tinha sido aberta de repente para um único menino
que queria ver o mundo.
Despertou na caminha branca, multiplicada
como em um quarto de espelhos, um quarto compridíssimo, repleto de
caminhas brancas alinhadas. A enfermeira se inclinou sobre a cama:
— Senhora, veja o que lhe trago.
Entre envoltórios de choros e fraldas,
Ermelinda reconheceu o rosto rosado colado sobre os lilases do
caderno. O rosto talvez fosse muito corado, mas ela pensou que tinha
a mesma cor berrante que têm os brinquedos novos, para que não se
desbotem de mão em mão.
Silvina Ocampo, in A fúria
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