quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Londres

Londres Depois — mesmo dia, mês, ano, mas um filamento acima — é o tipo de Londres com que as outras Londres sonham: manchada de sépia, céu cheio de dirigíveis, a crueldade do império reconhecida apenas como um pano de fundo rosado com aroma de especiarias e pétalas de açúcar. Rebuscada como um romance, imunda apenas onde a história exige, repleta de tortas de carne e monarquia — esse é um lugar que Blue ama, e se odeia por amá-lo.
Está sentada a um canto de uma casa de chá em Mayfair, de costas para a parede, com um olho na porta — algumas regras da espionagem transcendem tanto o tempo quanto o espaço — e outro em um mapa estilizado do Novo Mundo. Ela o acha um pouco incongruente — a casa de chá favorece uma estética decididamente orientalista —, mas o ecletismo é uma das muitas coisas de que Blue gosta nas fibras desse filamento em particular.
Seu cabelo agora está preto e grosso e comprido, preso em um coque alto e trançado, cachos cuidadosamente delineados na nuca, chamando atenção para o comprimento e a curvatura de seu pescoço. Seu vestido é modesto e impecável, um pouco fora de moda; faz alguns anos desde que a linha princesa era novidade, mas ela fica bem em cinza-carvão. Não está ali para desempenhar um papel; está ali para ser invisível.
Ela observa, com prazer, a excelente porcelana da qual o estabelecimento se gaba: Meissen Dragão Ming, sinuoso como artérias, caqui brilhante contra as bordas douradas no branco-osso. Ela espera o próprio bule, ansiosa pela trilha escura, defumada e maltada que o chá escolhido percorrerá entre as notas de rosa açucarada, bergamota suave, moscatel e violeta.
Sua atendente chega, quieta, silenciosamente dispõe a bandeja Meissen de dois andares para o bolo, o bule, o pote de açúcar. Enquanto ela arruma a xícara de chá no pires, no entanto, Blue estende a mão rápido e segura o pulso dela antes que se afaste. A atendente parece apavorada.
Esse conjunto — diz Blue, se ajustando, deixando seu olhar mais bondoso, sua pegada mais carinhosa — está trocado.
Eu sinto muito, senhorita — diz a atendente, mordendo o lábio. — Eu já tinha preparado o bule, mas a xícara estava lascada, e pensei que você não ia querer esperar mais tempo pelo chá, e todos os outros conjuntos já estavam sendo usados, por conta do horário movimentado do dia, mas se você quiser esperar, eu posso…
Não — ela diz, e seu sorriso são como nuvens se abrindo; ela leva a mão de volta ao colo, como se apagasse tudo, a atendente apenas imaginou, certamente, pois essa mulher é a imagem perfeita de uma dama. — É muito bonito. Obrigada.
A atendente baixa a cabeça e se recolhe à cozinha. Blue olha atentamente para a xícara de chá, seu pires e colher: azul italiano, figuras clássicas colhendo grãos, carregando água para sempre abaixo da borda.
Ela serve o chá delicadamente, sem machucar as folhas. Ergue a colher em direção à luz — dá para ver que está coberta com uma substância vinda de fio abaixo, que ela acha que reconhece, mas dá uma cheirada para se certificar. Ela se obriga a não olhar ao redor, comanda cada átomo do seu corpo a ficar imóvel, controla a necessidade de correr para a cozinha e perseguir e caçar e pegar…
Em vez disso, ela mexe a colher vazia dentro do chá, e assiste às folhas se desgrudarem e se fundirem em letras. Cada rotação é lenta e ela marca as quebras de parágrafo com pequenos goles; cada gole desfaz as letras até que Blue as rodopia a formarem significados novamente.
Brevemente ela se pergunta se o nó em sua garganta é veneno, se sua incapacidade de engolir é anafilática. Isso não a assusta.
Ela fecha os olhos contra a alternativa, que é o que a assusta.
Quando o chá e a carta acabam, a borra permanece; ela a lê como um pós-escrito. O que é bem fácil, quando o mapa do Novo Mundo corresponde a ela tão precisamente; é fácil ler a discrepância como um direcionamento.
Ela seca a boca, ergue a xícara de chá, coloca-a de cabeça para baixo sob seu calcanhar e a esfarela com tanta força e rapidez que sua destruição não faz barulho.
Depois que Blue foi embora, a rastreadora, vestida de garçonete, armada com pá e uma vassoura, coleta os restos, os recolhe como botões de rosa. Quando está fora de vista, ela separa a mistura de argila e osso e folha em três linhas, enrola uma nota de dinheiro e inala com força o suficiente para sentir a fumaça atrás dos olhos.

Amal El-Mohtar e Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo

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