Princeton, Nova Jersey,
14 de março de 1954
— Aqui quem fala é Albert Einstein.
— Quem? — pergunta a moça ao
telefone.
É a manhã do 75o aniversário de
Albert. O cientista está sentado diante da escrivaninha de seu
gabinete, no segundo andar da pequena casa na rua Mercer, em
Princeton, virando as páginas de seu álbum de recortes, que tem uma
gravação em relevo prateado:
ALBERT EINSTEIN SAMMELALBUM
Ele aproxima mais do ouvido o fone do
aparelho de plástico preto da Western Electric.
— Desculpe — diz a moça. — Liguei
para o número errado. — Seu sotaque é típico da elite de Boston.
— Ligou para o número certo —
retruca Albert.
— Liguei? Posso lhe perguntar qual é
seu número, por favor?
— Eu não sei...
— O senhor não sabe o número do seu
telefone? O senhor é Albert Einstein. Como o cientista mais famoso
do mundo não sabe o próprio telefone?
— Nunca decore uma coisa que você
possa consultar — responde ele. — Ou, melhor ainda, que outra
pessoa possa consultar por você.
Fagulhas de fumo do seu cachimbo caem
sobre uma carta do físico alemão Max Born. Albert as apaga com um
tapa.
— Está bem, senhor — diz a moça. —
Desculpe o incômodo.
— Pois não me incomodou em nada.
Quantos anos você tem?
— Dezessete.
— Hoje estou fazendo 75.
— Está? Setenta e cinco anos... um
número e tanto. Feliz aniversário.
— Obrigado. Você me deu um belo
presente de aniversário.
— Dei?
— Levantou um problema filosófico
interessante. Discou o número errado. Número errado para você.
Número certo para mim. Um enigma extremamente intrigante. Como é
seu nome?
— Mimi Beaufort...
— De onde está ligando?
— Do meu alojamento, nos arredores de
Princeton.
— Seu alojamento, você disse... e onde
é sua casa de verdade?
— Em Greenwich, no condado de
Fairfield, em Connecticut.
— Belo lugar. Você vai me ligar de
novo?
— Se o senhor for mesmo Albert
Einstein, vou ligar de novo. Com certeza.
Albert brinca com seu abundante bigode
branco.
— Procure-me na lista telefônica.
Sua perna direita está sacudindo e
quicando. A ponta do pé sobe e desce rapidamente. Ele flexiona os
músculos da panturrilha. Não tem nenhuma noção de que sua perna
está fazendo movimentos tão acelerados.
*
Soltando baforadas com o cachimbo cheio
de fumo Revelation — uma mescla de tabaco das marcas Philip Morris
e House of Windsor —, Albert contempla os cartões e telegramas de
aniversário empilhados na escrivaninha, nas mesas e até em sua
estante de música de madeira. Não faz a menor ideia de quem os
mandou.
Há telegramas de felicitações de
pessoas que ele efetivamente conhece: Jawaharlal Nehru, Thomas Mann,
Bertrand Russell e Linus Pauling.
Albert se remexe na cadeira, irrequieto,
incomodado pela dor abdominal.
Abre o New York Times e constata
que a página do editorial citou a opinião de George Bernard Shaw de
que o mundo se lembraria do nome de Einstein como equiparável aos de
Pitágoras, Aristóteles, Galileu e Newton.
Sobre as cadeiras, cômodas de mogno e
uma ou outra mesa há artigos acadêmicos mimeografados do Instituto
de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, marcados para a
atenção dele: artigos de matemáticos, físicos, arqueólogos,
astrônomos e economistas. Um suporte de cachimbos fica ao lado de um
porta-lápis, diante de um gramofone e de discos de vinil, quase
todos de músicas de Bach e Mozart para violino e piano.
Há quatro retratos na parede. Um de
Isaac Newton. Outro de James Maxwell, cujo trabalho Albert havia
descrito como o mais profundo e produtivo que a física conhecera
desde os tempos de Newton. O terceiro é de Michael Faraday. O
quarto, de Mahatma Gandhi. Abaixo dos retratos fica o emblema
emoldurado da religião jainista, símbolo da doutrina da não
violência. Albert olha para a carta de Born.
“Creio”, declara Born, “que ideias
como a certeza absoluta, a exatidão absoluta, a verdade última etc.
são fantasias da imaginação que não devem ser admissíveis em
nenhum campo da ciência.”
— Concordo — diz Albert para si
mesmo.
“Por outro lado”, continua Born,
“toda afirmação de probabilidade é certa ou errada, do ponto de
vista da teoria em que se baseia. Essa flexibilização do pensamento
[Lockerung des Denkens] me parece ser a maior bênção que a
ciência moderna nos deu.”
— Muito bom — murmura Albert.
“Pois a crença em uma verdade única e
em ser alguém o possuidor dela é a causa principal de todos os
males do mundo.”
— Assim diz Born — fala Albert. —
Com muito acerto.
Seu precioso relógio de pêndulo, no
estilo Biedermeier, anuncia as dez horas. Terminados os repiques
harmoniosos, Albert sorri para si mesmo. F = L + S. Frieden
entspricht Liebe und Stille. Ou: P = A + S. Paz é igual a
Amor mais Silêncio.
R. J. Gadney, in Aqui quem fala é Albert Einstein
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