quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Os centauros

O barulho de ferro batendo nas pedras me acordava de madrugada. O ruído das ferraduras se misturava com o relinchar dos cavalos. Eu me levantava e abria a única bandeira da janela. Só um pouquinho porque tinha medo de que me vissem. Eram seres misteriosos, misturas de homens e cavalos que, na bruma da manhã, me faziam imaginar centauros. Das ventas dos cavalos saía fumaça quando relinchavam. Como se fossem dragões. Do ângulo pelo qual os observava, através da fresta da janela, não me era possível ver os rostos dos soldados. Via-os pelas costas, inumeráveis, iam vagarosamente, a passo. Um exército inteiro de soldados dotados de força descomunal, a caminho de uma batalha. Que iam para uma batalha era certo: os fuzis pendentes dos coldres, ao lado direito das selas, esperavam a hora do fogo. Passado o último centauro, eu fechava a janela, voltava para a cama e ficava a imaginar a batalha, até dormir.

Rubem Alves, in O velho que acordou menino

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