sábado, 25 de setembro de 2021

Mário Quintana e sua admiradora

Recebi uma carta do padre-poeta Armindo Trevisan. Ele me conta uma coisa que Mário Quintana lhe contou. Era uma vez uma menininha de oito anos, “linda e inteligente” que queria conhecer a todo o custo o poeta Quintana. E tanto insistiu com sua professora, que esta resolveu pedir uma audiência a Mário. Este acedeu.
No dia marcado, lá se foram a professora e a menininha à redação do Correio do Povo onde Quintana trabalha. A menina viu o poeta, conheceu-o, falou com ele, ouviu-o falar.
Logo depois que partiram, a professora telefonou ao Quintana e perguntou-lhe se ela poderia dizer-lhe as impressões da sua jovem admiradora. Quintana respondeu que a opinião de uma criança, favorável ou desfavorável, sempre merecia acatamento. Então a professora disse:
Meu caro poeta, a menininha disse: “Ele é tão bonito mas parece meio pateta.”
Bendita patetice de um dos poetas que mais admiro.
Padre Armindo, você permite que eu cite um trecho de sua carta em que sua humildade cristã de novo se revela? Permita, por favor. Eu gosto muito de você, por isso transcrevo o pequeno trecho. Você escreve: “Se me permite, rezarei por você; não deixe, oh não, de rezar por mim que sou bem pecador, e preciso das suas orações, sejam quais forem, porque tenho a secreta certeza de que você está mais próxima de Deus do que eu, apesar de ser travessa para com Ele, e parecer mandar brasa sobre muitas coisas sobre as quais eu não mando...”
Padre Armindo, são quatro horas da madrugada e é uma hora tão bela que todo o mundo que estiver acordado está de algum modo rezando. Rezo para que o mundo lhe seja sempre bonito de se olhar e de se sentir, rezo para que você goste da comida que come, rezo para você sempre fazer poesia, fazer poesia é em si mesmo uma salvação.
É preciso que você reze por mim. Ando desnorteada, sem compreender o que me acontece e sobretudo o que não me acontece.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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