domingo, 5 de setembro de 2021

Especialistas

As árvores podem crescer em ambientes extremos. Na verdade, podem não ter alternativa, pois, quando a semente cai, somente o vento e algum animal podem mudar sua localização. Quando germina na primavera, sua sorte está lançada. A partir de então, a muda está ligada para o resto da vida àquele pedaço de terra e precisará aceitá-lo.
Para a maioria das árvores jovens, a vida começa com uma série de desafios. Uma cerejeira, espécie ávida por luz, pode nascer num local escuro demais – por exemplo, embaixo de uma faia adulta. Ou a própria faia pode germinar num local desprotegido, claro demais, e ter sua folhagem sensível queimada pelo sol escaldante. O solo pantanoso causa a decomposição da raiz da maioria das espécies, enquanto a areia seca a mata de sede. Entre os piores lugares para brotar estão os terrenos sem solo nutritivo, como os rochedos ou mesmo as forquilhas de árvores grandes.
Às vezes elas têm sorte no começo da vida, mas isso não dura muito tempo. Acontece, por exemplo, quando a semente cai no toco de um tronco quebrado e germina, enterrando as raízes na madeira podre da árvore morta. No primeiro verão extraordinariamente seco, a pouca umidade que restava na madeira morta do toco evapora, e o broto seca.
Para muitas espécies europeias os critérios de localização ideal são iguais – um solo rico em nutrientes, arenoso e com muitos metros de profundidade. Também deve ser bem úmido, sobretudo no verão. Não pode esquentar demais no verão nem esfriar demais no inverno. A precipitação de neve deve ser apenas moderada, mas em quantidade que encharque o solo ao derreter. As tempestades de outono devem ser atenuadas por uma encosta de montanha, e a floresta não deve ter muitos fungos e insetos que ataquem a casca e a madeira.
Esse seria o paraíso das árvores. Mas, exceto por pequenas extensões de terra, essas condições ideais não existem. Por outro lado, isso é bom para a diversidade de espécies, pois atualmente na Europa Central a concorrência nesses paraísos seria vencida quase exclusivamente pela faia. Ela sabe aproveitar muito bem a grande quantidade de recursos e elimina qualquer rival crescendo por entre as copas e em seguida estendendo seus galhos superiores sobre os da perdedora. A espécie que quiser encontrar seu nicho ecológico junto da faia precisará se privar de algo. Uma alternativa é sair de perto dela, mas qualquer coisa diferente desse paraíso das árvores significa dificuldades, pois a maioria dos hábitats do planeta não oferece condições ideais.
As árvores têm dificuldade em prosperar em muitos terrenos, por isso quem se adapta a eles pode conquistar uma enorme zona de expansão. É o que faz o abeto, que consegue prosperar em qualquer lugar onde os verões sejam curtos, e os invernos, inclementes – por exemplo, em regiões bastante setentrionais, nas montanhas ou à margem de florestas. Como o período de desenvolvimento das plantas na Sibéria, no Canadá e na Escandinávia costuma durar poucas semanas, a faia não conseguiria aprontar seus brotos antes do fim da estação, e o inverno é tão rigoroso que eles congelariam.
Nas agulhas e na casca o abeto armazena óleos essenciais que evitam o congelamento. Com isso, não precisa abrir mão de sua decoração verde e a mantém durante o inverno. Assim que a temperatura aumenta na primavera, o abeto pode começar a realizar a fotossíntese. Ele aproveita todos os dias de sol e, mesmo com poucas semanas para produzir açúcar e madeira, consegue crescer alguns centímetros todo ano.
No entanto, a estratégia de manter as agulhas no inverno é extremamente arriscada, pois elas acumulam neve e ficam tão pesadas que a árvore pode quebrar. Para evitar isso, o abeto conta com duas estratégias. A primeira é formar um tronco absolutamente reto, que evita a perda de equilíbrio. A segunda é mudar a angulação dos galhos. No verão, eles ficam na horizontal. No inverno, quando a neve se deposita nos galhos, eles vão se inclinando para baixo, até ficarem uns sobre os outros, como telhas. Assim, apoiam-se mutuamente. Visto de cima, seu diâmetro diminui bastante, e a maior parte da neve cai em volta da árvore, não nela. Em áreas de maior altitude, onde neva muito, ou em regiões distantes do trópico, o abeto também forma uma copa estreita e alongada, com galhos pequenos, o que intensifica esse efeito.
Contudo, as agulhas do abeto trazem outra desvantagem: aumentam a superfície de contato da árvore com o vento. Nas tempestades de inverno os abetos podem cair com facilidade. E contra isso sua única proteção é o fato de crescerem extremamente devagar: a chance de estatística de queda cresce muito para espécimes com mais de 25 metros de altura, por isso é comum ver abetos centenários com menos de 10 metros.
Na Europa Central as florestas ancestrais eram dominadas quase exclusivamente pelas faias, que permitem pouca passagem de luz para o solo. O teixo – espécie paciente que sobrevive a privações – decidiu extrair o máximo dessas condições. Como sabe que as faias sugam toda a água que encontram, ele se especializou nos níveis inferiores da floresta, onde vive com os 3% de luz que as faias deixam passar por entre suas folhas.
Nessas condições, é comum que o teixo demore até um século inteiro para alcançar alguns metros de altura e, com isso, a maturidade sexual. Nesse período, muita coisa pode acontecer: suas folhas podem ser devoradas por herbívoros, o que pode levá-lo a retroceder décadas, ou, pior, uma faia pode morrer e, na queda do tronco, destruir o teixo.
Mas o teixo não só é resistente como precavido. Desde que nasce, investe mais energia na ampliação de suas raízes do que qualquer outra espécie. Ali armazena nutrientes e, se surge algum problema acima do solo, ele volta a crescer com vigor. Muitas vezes isso causa a formação de vários troncos, que podem se unir e dar à árvore uma aparência desmazelada. Além disso, o teixo vive mais do que a maioria das espécies concorrentes: pode passar dos mil anos. Por isso, é comum que ao longo dos séculos uma árvore próxima morra e ele fique ao sol. Mas mesmo assim o teixo não cresce mais de 20 metros.
O carpino, parente da bétula, tenta imitar o teixo, mas não consegue viver de maneira tão sóbria e precisa de um pouco mais de luz. Ele consegue viver sob as faias, mas nessa condição não se transforma em uma grande árvore. Raramente ultrapassa 20 metros, e isso só acontece quando se encontra sob árvores que permitem a passagem de luz, como o carvalho. Nesse caso, tem liberdade para se desenvolver, e, desde que não invada o terreno de carvalhos maiores, haverá lugar suficiente para ambas as espécies. No entanto, muitas vezes surge uma faia perto das duas espécies, e ela cresce e ultrapassa até o carvalho. Nesse caso o carpino leva vantagem porque, além de muita sombra, suporta seca e calor. Nas superfícies secas voltadas para o sul, o carpino tem chance de sair vitorioso dessa batalha.
A raiz da maioria das espécies não tolera um terreno pantanoso, de água parada e pobre em oxigênio, e é essa a situação de áreas de mananciais ou ao longo de riachos, que geralmente têm planícies de inundação submersas. Caso um fruto da faia se perca e germine numa área assim, é até possível que se transforme em uma árvore imponente. No entanto ela cairá na primeira tempestade de verão, pois suas raízes em decomposição não encontrarão nenhum ponto de apoio para o tronco. Abetos, pinheiros, carpinos e bétulas passam por dificuldades parecidas em locais de água parada, mesmo que suas raízes não estejam sempre submersas.
Já com o amieiro a situação é diferente. Crescem até 30 metros e não ficam tão grandes quanto as concorrentes, mas vivem bem no ingrato solo pantanoso. Seu segredo é um sistema de dutos de ventilação nas raízes. Eles transportam o oxigênio até as extremidades da raiz, como um mergulhador que respira por um tubo que se estende até a superfície. Além disso, na área inferior do tronco, o amieiro conta com uma cortiça, que possibilita a entrada de ar na árvore. Somente quando o nível de água tapa essas aberturas respiratórias por muito tempo é que o amieiro pode enfraquecer a ponto de suas raízes serem atacadas por fungos.

Peter Woohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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