sábado, 11 de setembro de 2021

É árvore mesmo?

O que é exatamente uma árvore? Segundo o dicionário, é um vegetal lenhoso de caule principal ereto e indiviso (o tronco). Ou seja, o broto principal precisa ser dominante e crescer continuamente para cima, do contrário a planta é considerada um arbusto, com diversos troncos curtos ou finos (galhos) a partir de um talo de raiz. E quanto ao tamanho?
Sempre me incomodo quando leio relatórios sobre florestas mediterrâneas que parecem descrever uma região tomada por arbustos. Afinal, as árvores são seres majestosos que nos fazem parecer formigas. No entanto, em minhas viagens à Lapônia, encontrei espécimes bem diferentes dessa descrição que me fizeram parecer um gigante. São árvores-anãs da tundra, que muitos pisoteiam sem se dar conta. Às vezes, não medem mais de 20 centímetros após 100 anos. A ciência não as considera árvores, e o mesmo acontece com a Betula humilis, espécie de bétula que forma troncos de até 3 metros cuja média fica na altura dos olhos. No entanto, pelo mesmo parâmetro, espécimes pequenos de faias ou tramazeiras também não poderiam ser considerados árvores. Além disso, mamíferos grandes, como cervos e corças, as destroem com tanta frequência que, por décadas, elas crescem como arbustos, com muitos troncos e, no máximo, 50 centímetros de altura.
E o que acontece quando a árvore é serrada? Ela morre? Deixa de ser uma árvore? O que acontece com um toco de centenas de anos mantido vivo por suas camaradas, como o que encontrei na reserva? Ele é uma árvore? Se não é árvore, o que é? A situação complica ainda mais quando desse toco surge um novo tronco. Isso é comum em muitas florestas, pois séculos atrás as árvores frondosas foram cortadas por carvoeiros. Dos tocos cresceram novos troncos, que formam a base de muitas das florestas atuais.
É bastante comum que matas de carvalhos e de carpinos se originem desse tipo de desmatamento. Nesses casos, o ciclo de corte e regeneração foi repetido várias vezes ao longo de poucas décadas, de forma que as árvores não puderam crescer e envelhecer. Antigamente a população fazia isso porque era pobre e não podia se dar ao luxo de esperar muito por madeira nova. Basta passear por uma floresta europeia para ver os resquícios dessa prática: árvores com diversos troncos que mais parecem arbustos ou calosidades aos pés do tronco, em consequência do corte periódico da árvore.
Afinal, esses troncos são árvores jovens ou milenares? Cientistas pesquisaram abetos ancestrais no condado sueco de Dalarna. O mais velho tinha formado uma espécie de arbusto plano que cercava um único tronco curto. Toda a estrutura formava apenas uma árvore, que teve a madeira da raiz estudada com o método de datação por carbono-14 (C14), um carbono radioativo que se forma na atmosfera e se decompõe lentamente, mantendo sempre a mesma proporção para o carbono restante na atmosfera.
Quando o C14 se liga a biomassas inativas (matéria orgânica sobretudo de origem vegetal usada como combustível, como é o caso da madeira), a decomposição continua, mas nenhum novo carbono radioativo é absorvido. Assim, quanto menos carbono houver no tecido, mais velho ele será. O resultado da pesquisa dos abetos é simplesmente incrível: 9.550 anos. Os troncos em si eram mais jovens, mas os galhos novos dos últimos séculos não foram considerados árvores, mas, sim, parte do todo.24 Na minha opinião, isso é justo, pois certamente a raiz foi mais decisiva para esse resultado do que os brotos que crescem acima do solo. Afinal, ela é responsável pela sobrevivência do organismo, resistiu a fortes mudanças climáticas e fez brotarem mais e mais novos troncos. Nela se acumulam milênios de experiência que possibilitaram sua sobrevivência.
O abeto derrubou muitas teorias científicas. Primeiro porque ninguém sabia que ele vivia mais de 500 anos; segundo porque se acreditava que ele havia chegado ao norte da Suécia apenas 2 mil anos após o recuo dos glaciares. Considero essa árvore discreta um símbolo de como desconhecemos as florestas e as árvores e de quantas maravilhas elas ainda guardam.
Voltando à questão da raiz, ela é a parte mais importante da árvore, onde possivelmente se situa algo como o cérebro. Seria exagero pensar que árvores têm cérebro? Talvez, mas, sabendo que as árvores são capazes de aprender e, portanto, armazenar experiências, é preciso haver no organismo um local para guardar informações. Não se sabe que lugar é esse, mas as raízes seriam as mais adequadas, pois os antigos abetos na Suécia mostram que a parte subterrânea da árvore é a mais duradoura. Assim, onde mais ela poderia armazenar informações importantes a longo prazo?
Até pouco tempo atrás tínhamos certeza de que a raiz controlava toda a árvore por meio da atividade química. Essa informação não está totalmente equivocada, porém muitos processos também são regulados por substâncias semiquímicas (que resultam de duas etapas, a primeira com o uso de um agente químico e a segunda com ação mecânica). As raízes funcionam como uma via de mão dupla: absorvem substâncias e as enviam para a árvore, e ao mesmo tempo mandam os produtos da fotossíntese para os fungos parceiros e até sinais de alerta para as árvores vizinhas.
Para haver algo que reconheçamos como um cérebro, é necessário haver processos neurológicos, e, para isso, é preciso haver não só substâncias semiquímicas, mas também impulsos elétricos. Acontece que desde o século XIX detectamos a presença deles nas árvores. Em meio a esse cenário, uma briga ferrenha se arrasta há muitos anos e divide os cientistas. As plantas pensam?
František Baluška, do Instituto de Botânica Celular e Molecular da Universidade de Bonn, juntamente com seus colegas, acredita que as pontas das raízes têm estruturas semelhantes ao cérebro: além de conduzirem impulsos elétricos, contêm sistemas e moléculas muito parecidos com os encontrados em animais. Quando as raízes avançam no solo, podem absorver estímulos. Os pesquisadores mediram impulsos elétricos que causaram mudanças comportamentais após serem processados em uma “zona de transição”. Quando as raízes encontram substâncias tóxicas, rochas impenetráveis ou áreas úmidas demais, analisam a situação e repassam as mudanças necessárias à zona de crescimento da raiz, que muda de direção e se afasta dessas áreas críticas.
Atualmente a maioria dos botânicos se mostra cética sobre a existência de um local de processamento de inteligência, memória e emoções, mesmo levando em conta esse comportamento. Entre outras coisas, irritam-se com a simples transposição das descobertas de situações semelhantes em pesquisas com animais e temem que isso ameace os limites entre os reinos vegetal e animal. Mas o que haveria de tão ruim nisso? Afinal, a distinção entre planta e animal é arbitrária e se baseia na forma como o organismo se alimenta: enquanto uma realiza fotossíntese, o outro come seres vivos. No fim das contas, a única diferença além dessa diz respeito ao tempo de processamento de informações e sua conversão em ações. Mas isso basta para considerarmos os seres lentos menos valiosos do que os rápidos? Às vezes imagino que teríamos mais consideração pelas árvores e por outros vegetais se tivéssemos certeza de que em muitos aspectos eles são semelhantes aos animais.

Peter Wohllenben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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