Enquanto punha o vestido azul com
margaridas amarelas
e esticava o cabelos para trás, a mulher
falou alto:
é isto, eu tenho inveja de Carlos
Drummond de Andrade
apesar de nossas extraordinárias
semelhanças.
E decifrou o incômodo do seu existir
junto com o dele.
Vamos ambos à enciclopédia, seguiu
dizendo, à cata
de constituição, e paramos em
“clematite, flor lilás
de ingênuo desenho que ama desabrochar
nas sebes europeias”.
Temos terrores noturnos, diurnos
desesperos
e dias seguidos onde nada acontece.
Comemos, bebemos e diante do nosso nome
impresso
temos nenhum orgulho, porque esta
lembrança não deixa:
uma vez, na avenida Afonso Pena, um
bêbado gritando:
‘Todo mundo aqui é um saco de tripas’.
Carlos é gauche. A mim, várias
vezes, disseram:
‘Não sabes ler a placa? É CONTRAMÃO’.
Um dia fizemos um verso tão perfeito
que as pessoas começaram a rir. No
entanto persiste,
a partir de mim, a raiva insopitada
quando citam seu nome, lhe dedicam
poemas.
Desta maneira prezo meu caderno de
versos,
que é uma pergunta só, nem ao mesmo
original:
‘Porque não nasci eu um simples
vaga-lume?’
Só à ponta de fina faca, o quisto da
minha inveja,
como aos mamões maduros se tiram os
olhos podres.
Eu sou poeta? Eu sou?
Qualquer resposta verdadeira
e poderei amá-lo.
Adélia Prado
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