Pessoas que às vezes querem me elogiar
chamam-me de inteligente. E ficam surpreendidas quando digo que ser
inteligente não é meu ponto forte e que sou tão inteligente quanto
qualquer pessoa. Pensam, então, inclusive que estou sendo modesta.
É claro que tenho alguma inteligência:
meus estudos o provaram, e várias situações das quais se sai por
meio da inteligência também provaram. Além de que posso, como
muitos, ler e entender alguns textos considerados difíceis.
Mas muitas vezes a minha chamada
inteligência é tão pouca como se eu tivesse a mente cega. As
pessoas que falam de minha inteligência estão na verdade
confundindo inteligência com o que chamarei agora de sensibilidade
inteligente. Esta, sim, várias vezes tive ou tenho.
E, apesar de admirar a inteligência
pura, acho mais importante, para viver e entender os outros, essa
sensibilidade inteligente. Inteligentes são quase que a maioria das
pessoas que conheço. E sensíveis também, capazes de sentir e de se
comover. O que, suponho, eu uso quando escrevo, e nas minhas relações
com amigos, é esse tipo de sensibilidade. Uso-a mesmo em ligeiros
contatos com pessoas, cuja atmosfera tantas vezes capto
imediatamente.
Suponho que este tipo de sensibilidade,
uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a
cabeça, suponho que seja um dom. E, como um dom, pode ser abafado
pela falta de uso ou aperfeiçoar-se com o uso. Tenho uma amiga, por
exemplo, que, além de inteligente, tem o dom da sensibilidade
inteligente, e, por profissão, usa constantemente esse dom. O
resultado então é que ela tem o que eu chamaria de coração
inteligente em tão alto grau que a guia e guia os outros como um
verdadeiro radar.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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